domingo, 7 de outubro de 2012

Domingo de Eleição



O dia começou assim: o braço formigando debaixo do corpo, os cabelos desarrumados, o travesseiro no chão - isso é que dá dormir mais de três horas seguidas. Depois veio o café, primeiro quente, depois frio, muito doce. Veio o banho - o chuveiro estourou sobre minha cabeça e meus cabelos estavam cheios de espuma; tomei banho frio.
 
Fui votar, afinal, com fome e um pouco de dor no braço. O ônibus passou antes de eu chegar no ponto, tive que subir a pé - o sol estava terminando de secar meus cabelos quando um carro invadiu a calçada: este foi meu dia de sorte.
 
Quando enfim cheguei na escola para votar, já havia passado por quatro carros com propaganda, quase tinha sido atropelado, meus bolsos estavam cheios de papéis de políticos, meus pés estavam doendo: mas pelo menos eu não havia escorregado naquela imundíce que estava a calçada.
 
Fui até a sala para votar, mas era a sala errada. Subi a escada, escorreguei no cadarço do tênis; mas tudo bem, estava quase acabando. Cheguei na sala certa, entreguei meu título de eleitor, mas a moça pediu o RG - meu deus, esqueci o RG, pensei vasculhando os bolsos e tirando quilos de papél de cada um.
 
Voltei para casa, coloquei um chinelo, peguei o RG, bati a porta no dedo, bati o dedo na pedra, joguei a pedra na rua. Ouvi alguém batendo palmas no portão, olhei: duas mulheres com uma pasta na mão: testemunhas de jeová. Passei a mão pela testa, estava suando, senti nojo, lavei a mão. Tranquei a casa, soltei as cachorras, fui até o portão e dispensei as duas mulheres num tom meio mal educado de "não tenho tempo". Desci a rua, subi a avenida, passei por mais alguns carros de propaganda, senti meu estômago roncando. Parei na padaria, comprei um pão e uma coca-cola quente. Cortei a boca com a casca do pão e deixei a coca cair em cima do meu pé. Mas eu não havia derrapado pela calçada.
 
Comi o resto do pão sentindo gosto de sangue na boca. Joguei a latinha numa caçamba de lixo. Desejei "bom-dia" para umas senhoras que passavam. Cheguei na escola, sentei num banco que tem no pátio externo, uma formiga picou minha mão. Lavei a mão. Tomei água. Olhei o corte no espelho. Lavei a boca. Subi as escadas. Nenhuma fila, ainda bem.
 
Entreguei meu RG e meu título para a mulher, ela devolveu o título e disse que eu só precisaria do RG para votar - me perguntei por que tirei o título de eleitor, afinal. Cheguei na cabine, procurei nos bolsos o papel com o número dos meus candidatos, mas me lembrei que havia jogado no lixo. Fui até a lata de lixo, vi o papel. Peguei o papel e olhei o número. Fiquei distraído com o número e não vi uma cadeira bem do lado. Esbarrei na cadeira. A moça segurou um pouco o riso. Eu mesmo ri de nervoso. Esqueci o número. Olhei no lixo de novo. Sequei a testa. Driblei a cadeira e votei. Peguei a caneta para assinar o papel que me deram, a caneta estava falhando. Cadê outra caneta? Não tinha, fui atrás de outra caneta para poder ir embora dali rápido. Voltei com a caneta. Me pediram para esperar porque havia uma pessoa na  minha frente agora. Respirei fundo: 1,2,3,4,5,6,7,8,9...
 
Assinei o papel, desci as escadas, bebi um gole d'água. Voltei para casa. Almocei, queimei a boca com a comida, ganhei um peixe, arrumei o aquário do peixe, batizei o peixe: Freud. Fiquei feliz por ter um peixe. Fiquei triste por terem-me dado uma vida para cuidar. Pensei em como sou desastrado. Fiquei feliz por não ter caído na calçada por causa da sujeira eleitoral.
 
Fui até o extra, coloquei crédito no celular, vi um professor do ano passado, vi a mulher dele, vi o filho dele, vi o sorvete que eles estavam tomando. Comprei um sorvete. Estava calor. Tomei o sorvete e voltei para casa. Atendi o telefone, me arrumei e saí. Fui na casa de um tio meu. Fui na cafeteria com ele. Tomei café. As coisas estavam melhorando. Ganhei uma camisa xadrez. Vesti a camisa xadrez. A vida era bela como uma camisa xadrez.
 
Fui com meu tio na escola em que ele vota. Fiquei em uma fila por quase uma hora debaixo do sol. Suei. Fiquei dentro do carro, mas estava muito quente. Sentei no ponto de ônibus. Meu tio entrou, votou, saiu. Fomos conversando até o carro, fiquei distraído com a conversa, derrapei em um monte de papel molhado de cerveja. Cai em cima do papel, levantei. Entrei no carro com vergonha.
Cheguei em casa, tomei banho, senti minha cabeça doendo. Tomei remédio. Engasguei com a água. Tossi. Tomei mais água. Fui recolher a roupa do varal e não vi minha cachorra passar atrás de mim. Tropecei. Cai em cima da cachorra. Fiquei apoiado nos cotovelos tentando me esquivar da cachorra que tentava me lamber. Depois veio a outra cachorra. Levantei e entrei. Tomei outro banho. Liguei o notebook. Tomei mais café. Comi queijo. Pensei em tudo o que aconteceu no dia de hoje. Me senti zonzo. Desliguei o notebook e fui ler um pouco. É, a vida é assim mesmo...

Quanto às eleições, nem sei quem ganhou, espero que tenha sido alguém honesto. Ou não também, vai se saber?

Depois a noite desceu suja e quente como as ruas da cidade.

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