terça-feira, 9 de outubro de 2012

De Como Tratar O Que Se Tem


 
Ganhei um peixe azul e vermelho: e fiquei feliz em ter ganhado um peixe azul e vermelho, ele é tão vasto quanto um dia e uma noite passando. Ele é pequeno, suas barbatanas se alongam pelo corpo fino e frágil – como tudo o que é vivo – e se perdem, finas e invisíveis, na água do aquário.
Eu vejo o interior de um ser vivo que é: peixe. E o interior de um mundo tão vivo quanto um peixe nadando me fascina e me assusta – a vida pulsa, pulsa, pulsa... E eu olho pelo vidro do aquário, de perto e no escuro. Mas agora eu posso cuidar do peixe onde quer que eu esteja: meus óculos me permitem olhar e ver a angústia de ser um peixe preso – mas há coisas que fingimos não ver para mantermo-nos felizes. Quando todos se vão, meu peixe fica parado e morto – pois só vive enquanto pode ser olhado e admirado em sua profunda beleza. Pois os peixes são tão belos que são capazes de morrer enquanto não são vistos. Meu peixe é tão azul e tão feito por deus, que pode pular da água e mergulhar no céu e boiar entre as nuvens e estrelas.
 
Quando eu morri e abri os olhos – eu vi o peixe e ele me viu e eu estava no céu. E o céu estava em mim, e eu estava tão feliz que haviam me dado um peixe azul e vermelho que eu abri os olhos e isso – eu abri os olhos. Quando eu morri eu fiz uma promessa a mim mesmo – que só morreria de novo quando o meu peixe puder morrer comigo. Eu sei quando eu vou morrer – vai ser numa primavera tão vívida, que os cravos explodirão em mil tons de vermelho – e meu peixe vai mover as barbatanas e boiar no aquário quadrado.
 
Descobri uma coisa terrivelmente boa para mim – o meu peixe é tão meu que até tem insônia; e quando eu durmo eu olho-o e vejo um peixe de olhos abertos. E esta é a vantagem de ser um peixe: manter-se sempre em vigília; e esta é a vantagem de se ter insônia: é ver que um peixe está acordado durante toda a vida – como eu. E ele é tão azul e vermelho, que não se pode tratá-lo de outro modo a não ser este: o modo como se trata aquilo que se tem e que tem a vida para ser tratada.

E assim eu me faço todas as noites olhando para um peixe tão azul e vermelho que me faz vibrar de emoção e alegria – e a vida é boa porque eu tenho um peixe para me fazer companhia durante minhas insônias; e com isso eu curo minha tristeza que dura anos. E vive-se e morre-se. O peixe me faz bem porque é um símbolo de reconciliação com as pessoas e com o mundo. Mas quem me deu o peixe não se lembrou de que um dia ele irá morrer, e se esqueceu de que eu mesmo irei morrer. Morre-se, mas por enquanto vive-se e tem-se um peixe azul e vermelho – e isso não se pode esquecer. É preciso também aprender a perdoar para ser perdoado. Amém, para todos nós.

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