sábado, 6 de outubro de 2012

Insônia



 
De repente você olha para o relógio e já passou do horário que você mesmo havia se estipulado para dormir. Você marca a página do livro que está lendo, apaga a luz, deita e fecha os olhos. Aos poucos, quase imperceptívelmente, você mergulha num silêncio tão grande, que a noite torna-se muito maior do que ela realmente é: e você é pequeno demais para resistir à isso.
 
Então você ajeita o travesseiro, se revira na cama, tira o lençol do lugar. Você fecha ainda mais os olhos e espera por um sono que nunca vem - e você começa a ouvir, aos poucos, o relógio parado na cabeceira. E o relógio da cozinha e o da sala, e todos os relógios do mundo; e todos eles estão tão acordados quanto a própria noite.
 
Você levanta, tropeça na cama, enrosca os pés no lençol, abre a porta do quarto e, no escuro vai até a sala; lá fora o poste deita sua luz amarela na rua, dentro de casa o silêncio é quebrado pelo ininterrupto tiquetaquear dos relógios de todos os cantos da sua própria cabeça. E você se lembra de que ainda restam alguns comprimidos para dormir dentro do frasco: você vai até o quarto, pega o frasco, vai até a cozinha e coloca a água num copo - e a água está fria na noite quente. Você vira o frasco na própria mão e deixa cair os quatro últimos comprimidos - seus olhos piscam molhados de cansaço. E seria tão mais fácil tomar todos de uma só vez; apesar da tentação de tomar todos eles, você guarda dois comprimidos para a próxima noite - pois você sabe que vai precisar deles. Sim. Você se lembra de que tem que comprar outro frasco com trinta comprimidos para que este frasco dure outros quinze dias. Os comprimidos descem raspando sua garganta e você tosse tomando outro copo d'água.
 
Sozinho, no escuro, você abre a geladeira e pega uma fatia de queijo, vai até a garrafa de café sobre a mesa e chacoalha com esperança: de lá de dentro sai um leve barulho de coisa viva e líquida: você sorri da mais pura e sincera alegria para com o mundo. E você toma o café e come o queijo - pois esta é a sua refeição desta madrugada.
 
Com medo de quebrar o silêncio da casa escura, você evita abrir armários e gavetas: volta para a sala onde, sob o efeito do remédio, você delira com milhares de relógios tiquetaqueando para você - seus olhos começam a pesar e seu peito incha de alegria e dor: pois a mais profunda alegria é o fruto da mais profunda dor. E seu peito se contrai de sono diante dos relógios que te olham e olham e olham e olham...
 
Mas os cachorros latem lá fora e você desperta de um sono que nem sequer chegou a dormir: e você está acordado e se dá conta de que não vai mais dormir. Então você volta até a cozinha e faz mais café; leva a garrafa para o quarto e se deita ainda no escuro - o escuro é um dos modos de se viver. Você acende a luz e retoma a leitura de onde havia parado, olha o relógio e vê que são três da manhã e que nesta hora metade do mundo está dormindo, e torce para que, na próxima noite, você durma também...
 
Ou não - a vida tem dessas coisas...

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