segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Visão de Clarice

Hoje completam-se 36 anos desde a morte de Clarice Lispector (1920-1977), e numa singela homenagem transcrevo o poema que Carlos Drummond de Andrade dedicou à memória da escritora

 

sábado, 30 de novembro de 2013

A Mãe Cristã - ou - O Que é Amor


 
 
O cenário que está por trás de tudo é o da cidade tipicamente brasileira com todos os seus contrários. O tempo é simplesmente o tempo, sem pararmos num ponto específico. Tudo o que sabemos sobre a passagem das horas é que em todos os lares descai as pálpebras primeiras do dia e lá pelas bandas do horizonte nasce o sol.
A mãe cristã acorda pela manhã e dá pela falta do filho. Suspira – precisa ainda dalguns momentos para se lembrar daquilo que jamais vai esquecer: o filho havia sido morto há tempos. Então a mãe cristã ora ao senhor deus para que ele, em sua grandessíssima omnipotência, mude a vida do rapaz que matara o filho. Depois vai à vida e prepara o almoço dos outros filhos, todos filhos dum mesmo deus, frutos dum mesmo ventre germinado.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

(In)Consciência Negra


 
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.

O Livro dos Conselhos

Serei breve, não obnubilarei a mente de ninguém com meu fluxo de pensamentos: disparo rapidamente todas as balas do meu revólver, doa a quem doer.

 Sou contra o dia da consciência negra pelo menos motivo que me faz ser contra o dia internacional da mulher: o conformismo. Tudo o que quero dizer é que, ao que me parece, esta data foi criada simplesmente como pretexto para fortalecer a onda de coitadismo que inunda a sociedade; e ainda sobre um pouco de espaço para dizer o quão deprimente é termos a necessidade de haver uma data para que nos lembremos de que nossa sociedade dá os mesmos direitos à todas as pessoas, independente da cor que possuam.

domingo, 27 de outubro de 2013

Machismo para crianças - um guia prático. Ou: o lugar da mulher


Quando acreditamos estar numa sociedade livre de preconceitos, com ações de conscientização para todas as pessoas, incluindo-se ai as crianças (visto que, como diziam os antigos, e bem sabiam o que diziam eles naquele começo de mundo, é de pequenino que se torce o pepino), encontramos a imagem acima num livro didático. Na imagem, a criança deve ligar as figuras masculina e feminina às atividades com mais afinidades ao seu gênero. Com ideias como “cuspir no chão” ou “usar brincos”, a figura foi alvo de protestos de feministas (como este que vos fala) e de pessoas sem ligação nenhuma ao movimento. Todavia as atividades mais peculiares, que mais vêm sofrendo asseverações, são frases como “ajudar a limpar a casa” e “lavar a louça”, obviamente sugestionadas à figura feminina.

Em nota, a Editora Positivo deu seu parecer em resposta às admoestações que vem sofrendo: “Esclarecemos que em nenhum momento a finalidade deste exercício é impor padrões ou corroborar com estereótipos de gênero. A atividade, vale mencionar, é parte de um contexto onde o objetivo é justamente promover o debate para combater relações autoritárias e questionar a rigidez dos padrões”.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Os Gatos... ou: por que não sou Budista


Há algum tempo atrás, uns cinco anos, eu ia a um templo budista. Sim. E confesso que me fazia um bem enorme frequentá-lo, assim como me fizeram bem todas as minhas experiências indo a centros espíritas e afins. Mas não é sobre isso que vim contar. E sobre por que parei de ir neste lugar.

Em primeiro lugar, o templo era demasiado longe de casa e eu, pobre de mim, não tinha com quem ir. Deslocar-me sozinho pelo mundo afora não era tarefa fácil, requeria uma coragem muito além da que eu tinha até então. Mesmo assim eu resisti bravamente, indo periodicamente às reuniões e seguindo os ensinamentos de Sidarta Gautama à risca.

A segunda coisa que me fez parar de ir nestas reuniões foi o preconceito. Sim: as pessoas têm preconceito com budistas, espíritas, umbandistas, e qualquer outro grupo que não se encaixe na perfeição da amável e louvável igreja do senhor deus. Bem: deixemos deus de lado, que ele, pobre diabo, não tem culpa dos nossos erros – ou talvez seja ele o principal responsáveis por tais erros, o que não vem ao caso no momento.

Mas a principal coisa que me dissuadiu de seguir em frente com os ensinamentos budistas foi o meu animal preferido: um gato. Ou melhor, milhares, centenas, dezenas de gatos. Já me explico:

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Sobre a Religião


Apesar de não ser uma pessoa religiosa e de ter opiniões conflitantes com a maioria das pessoas quando este tema (a religião) vem à tona, acredito que a religião não pode acabar. Sim, há malefícios imensos em nossa sociedade que têm como força motriz uma causa religiosa; e sei que os benefícios são tão ínfimos que não se sobrepõe à quantidade de malefícios – mas ainda há benefícios. O problema das religiões não está localizado nas próprias religiões: o problema são os religiosos. Não todos, mas os fanáticos. Não são os religiosos que atacam homossexuais, são os fanáticos; tampouco são responsáveis pela perseguição a membros de outras religiões, isso é motivado pelo fanatismo.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Centauro (Conto)



“Quando vires um centauro, acredita nos teus olhos”

O cavalo parou. Os cascos sem ferraduras firmaram-se nas pedras redondas e resvaladiças que cobriam o fundo quase seco do rio. O homem afastou com as mãos, cautelosamente, os ramos espinhosos que lhe tapavam a visão para o lado da planície. Amanhecia já. Ao longe, onde as terras subiam, primeiro em suave encosta, como tinha lembrança se eram ali iguais à passagem por onde descera muito ao norte, depois abruptamente rasgadas por um espinhaço basáltico que se erguia em muralha vertical, havia umas casas àquela distância baixíssimas, rasteiras, e umas luzes que pareciam estrelas. Sobre a montanha, que barrava todo o horizonte daquele lado, via-se uma linha luminosa, como se uma pincelada subtil tivesse percorrido os cimos, e, úmida, aos poucos se derramasse pela vertente. Dali viria o sol. O homem largou os ramos com um movimento descuidado e arranhou-se: soltou um ronco inarticulado e levou o dedo à boca para chupar o sangue. O cavalo recuou batendo as patas, varreu com a cauda as ervas altas que absorviam os restos da umidade ainda conservada na margem do rio pelo abrigo que os ramos pendentes faziam, cortina àquela hora negra. O rio estava reduzido ao fio de água que corria na parte mais funda do leito, entre pedras, de longe em longe aberta em charcos onde sobreviviam e ansiavam peixes. Havia no ar uma umidade que prenunciava chuva, tempestade, decerto não nesse dia, mas no outro, ou passados três sóis, ou na próxima lua. Muito lentamente, o céu aclarava. Era tempo de procurar um esconderijo, para descansar e dormir.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Embargo (Conto)

 
 
 


Acordou com a sensação aguda de um sonho degolado e viu diante de si a chapa cinzenta e gelada da vidraça, o olho esquadrado da madrugada que entrava, lívido, cortado em cruz e escorrente de transpiração condensada. Pensou que a mulher se esquecera de correr o cortinado ao deitar-se, e aborreceu-se: se não conseguisse voltar a adormecer já, acabaria por ter o dia estragado. Faltou-lhe, porém, o ânimo para levantar-se, para tapar a janela: preferiu cobrir a cara com o lençol e virar-se para a mulher que dormia, refugiar-se no calor dela e no cheiro dos seus cabelos libertos. Esteve ainda uns minutos à espera, inquieto, a temer a espertina matinal. Mas depois lhe acudiu a ideia do casulo morno q era a cama e a presença labiríntica do corpo a que se encostava, e, quase a deslizar num círculo lento de imagens sensuais, tornou a cair no sono. O olho cinzento da vidraça foi-se azulando aos poucos, fitando fixas as duas cabeças pousadas na cama, como restos aquecidos de uma mudança para outra casa ou para outro mundo. Quando o despertador tocou, passadas duas horas, o quarto estava claro.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Sobre a Bondade (As Negociatas)

 
 


É lugar comum entre todos, desde a mais ignorante até a mais culta de todas as pessoas, que a bondade é algo advinda ou que não seria possível fora dos ditames e dos padrões religiosos. Se não for realmente uma opinião unânime (e espero que não seja), estamos bem próximos de que tal pensamento seja tido como verdade universal. Quem por aí é declaradamente ateu ou agnóstico ou simplesmente diz que não tem uma religião definida sabe muito bem do que estou falando: basta dizer “sou ateu/agnóstico” e as mães puxam os filhos de perto do indivíduo, as avós se escandalizam, os tios balançam a cabeça em desaprovação e as mães dos colegas soltam, invariavelmente, uma frase do tipo “ah, eu sabia! É por isso que o meu filho está usando drogas, fica andando com um ateu!”.
Este tipo de pensamento se assemelha muito à ideia que nossos pais e avós (pergunte para os seus) tinham dos comunistas em suas tenras infâncias: ser comunista era ser aliado do satanás, assim como ser ateu atualmente. Só para citar um exemplo, podemos puxar pela memória a célebre frase de José Luiz Datena – “isso (assassinato) é coisa de quem não tem Deus no coração” – e ver como a imagem do ateu está sendo muito mal difundida pelo nosso país (e pelo mundo afora).

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Com Deus Não se Brinca (?)

 
 

Estive pensando, entre um ônibus e outro, na solidão de deus. Deus. Quem é este senhor? Talvez colocar deus num pedestal faça mal a todos: a nós e – principalmente – ao próprio. Tudo o que se sabe deste senhor é praticamente nada, a não ser um amontoado de besteiras que uns caras escreveram por ai. Fora isso: silêncio. Onde está deus? Como faz nas horas de interminável solidão que deve sentir lá, no seu canto? A minha pergunta – onde está deus? – que poderia sugerir algum tipo de ceticismo (que de fato existe), é fruto de uma indignação tremendamente terrível que venho sentindo. Percebo que começo a ter dó de deus.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

UM DIA


Mais do que o tempo que transcorri neste dia, o que me valeu foram os poucos minutos em que me pus a observar o mundo ao meu redor. Explico: hoje acordei cedo demais, irritado, com dores de cabeça, e preocupado com um assunto muito meu – tão meu que faço segredo e não revelo nada além disso: que tive cá minhas preocupações. Me desculpem, mas sou secreto por natureza, não me revelo nunca, e vocês não sabe nada ao meu respeito.

Depois tomei banho e, para esquecer as minhas preocupações, fui à livraria (uma livraria que não direi qual é, porque não quero fazer propaganda gratuita – não mais) passar algumas horas e deparo-me com uma moça: ruiva, alta, com alguma beleza por ser decifrada. Esta moça – que não direi o nome para não feri-la em seu anonimato – veio a mim me perguntando se eu não fazia vídeos para a internet. E eu, tímido, respondi que sim; a isto ela respondeu com um aperto de mãos, (quase um abraço, mas eu, por graça de deus – ou por burrice – fugi a tempo) e me disse que gosta muito dos meus vídeos e que era uma honra (foi esta mesma a palavra que ela usou) me conhecer pessoalmente e que estava muito feliz. E eu calado, sem saber o que dizer; e como todas as vezes em que não sei o que dizer, não digo nada, apenas ouvi até ela se calar e respondi com um “muito obrigado” e um “tchau, a gente se vê”. Tudo ficou por isso. Veio então quem estava comigo na hora e disse que eu estava ficando famoso sem nem mesmo perceber. Quem sabe?

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Madonna 5.5 ( Tentativa de Homenagem)


16/10. Nesta data, todos os anos pelas últimas três décadas uma legião de fãs, ou de simples admiradores – há lá suas diferenças: um fã é, por excelência um admirador, mas nem todo admirador é fã – se reúnem, ou não, mas isso não importa; estou me desviando do assunto. Vou recomeçar: 16/10. E percebo que cometi, logo de saída, um erro gravíssimo: uma data como a de hoje não deve ser escrita com numerais, deve ser escrita l e n t a m e n t e, letra por letra.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Diabo: Você me Decepciona, Companheiro


Pois é, há pessoas que perdem a fé porque se dizem “decepcionadas” com deus; seja por uma prece não atendida, seja pela falta de evidências, ou por qualquer outro motivo. Cada um tem lá os seus motivos para se sentir desapontado com o poderoso chefão, mas no quesito “deixar a desejar” o diabo ganha disparado de seu antagonista. Ora, vejam bem: de um lado temos deus – um ser todo poderoso, que comanda várias paradas e tal, com vários seguidores no Twitter e vários likes no facebook. Ok, ok, alguns desses seguidores (leia-se pastores famosos)não fazem jus à imagem de um cara todo bondoso e essa besteira toda, já que, na hora de perseguir minorias eles mandam deus à puta que... (não vou terminar essa blasfêmia) e vão caçar algumas bruxas à lá Inquisição Espanhola. O fato é que, teoricamente, deus seria uma coisa boa que o homem fez para se sentir protegido num mundo selvagem que nos cerca. E para combater deus encontramos o diabo: um cara mala sem alça, praticamente o saci pererê, malvado, má pessoa, mentiroso, recalcado (pipipi olha o recalque!) e tudo o que mais odiamos em alguém.

Porém, que temos do diabo? Coitado deste sujeito... Juro que tenho muita dó dele: injustiçado, xingado injustamente, acusado pelos erros de pessoas sem maturidade para arcar com as consequências dos próprios atos, com a má fama que tem... Digno de pena este senhor. Mas o cúmulo do absurdo com ele, o que me deixa com mais dó ainda é a tal da possessão demoníaca, onde o tinhoso faz o papel de palhaço – conseguindo superar em palhaçadas o pastor, o fiel e até mesmo deus, que, por vezes, demonstra ser um grande fanfarrão. E das possessões demoníacas (leia-se pegadinha do malandro) as mais patéticas são as feitas em uma determinada igreja (leia-se Universal do Reino de Deus): aparentemente o diabo não tem muito o que fazer na hora em que o culto está comendo solto, visto que, é só ser chamado e ta-dá ei-lo no palco pronto para revelar suas traquinagens. É uma coisa verdadeiramente vergonhosa para um cara tão foda ser rebaixado desse jeito: parece até um cachorrinho que obedece a tudo e a todos, sendo que qualquer fulano consegue faze e acontecer em cima do satanás.
“Venha diabo, venha! Fiu-fiu-fiu”, assobia o pastor agarrando os cabelos do possesso.
“Arghlaahaharevhs” berra o satanás, que parece que está tendo diarreia.
“Como você se chama, demônio?”.
“Meu nome é Exu-não-sei-do-que (na verdade uma tentativa de desrespeitar as religiões de matriz africana)”.
“Ah, mas não quero você não, chama lá o seu superior”.
“Aguarde um momento, estamos transferindo a ligação”, e sai o diabinho. Enquanto isso, como é uma empresa multinacional esta da possessão, tocam a musiquinha do gás.
“AAAAAAAAAA, rrrrrrrr.... Alô?”          
“Quem está ai? É você satanás?”, pergunta o pastor fazendo uma paródia da Bruxa do 71.
“Sim, sou eu mesmo, me chamo Lúcifer, muahaha”, e toda aquela besteira.
Assisti esta semana um vídeo onde um rapaz diz que o diabo só entra no corpo do pipoqueiro. E é verdade: isso é que me deixa desapontado no cara. Com tantos chefes de Estado e pessoas importantes pra possuir, quem o diabo vai azucrinar? O Obama? A Dilma? O príncipe Charles? NÃO: ele vai atormentar o pipoqueiro, a Lúcia do salão, o Zé da padaria. Sério mesmo, Lúcifer? Pensei que você fosse o fodão... que decepção, meu deus!
E quando questionado sobre como arruína a vida das pessoas, ele pode dizer que, segundo o rapaz do vídeo, “Faz o pipoqueiro queimar a pipoca”. Sim, é uma triste realidade. Ou, quem sabe, faz o padeiro queimar a rosca (o que é muito pior), ou a Lúcia do salão deixar muito tempo a tinta no cabelo de alguém. Uau, como é mal este diabo!

Sério mesmo, tenho vergonha do diabo, eu no lugar dele nem sairia de casa.
 

Mas sei por que isso acontece: o diabo foi algo inventado na época em que o homem era ignorante o suficiente para ser mal. Hoje, como somos mais bem resolvidos, não precisamos nem do diabo e nem de deus para justificar nossas más ações. Isso faz com que, tanto um quanto o outro, tenham sido rebaixados em seus cargos celestes – o que é uma pena, visto que os dois são pais de família e tal. Assistir esses vídeos de possessão me fazem me sentir mal pelo diabo, que não passa de um coitado, um simples joguete, tal como deus, na mão desses caloteiros (leia-se pastores); mas ao mesmo tempo eu me sinto bem comigo mesmo, já que às vezes penso que solto umas blasfêmias aqui e ali, mas ao ver estes supostos emissários do senhor deus brincando desta maneira, eu me sinto aliviado e penso que ainda há esperanças para minha alma.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O Amor de Deus (narrativa baseada na observação contínua do comportamento do rebanho do senhor)




Do alto de suas nuvens o senhor deus dormia o sono daqueles que, exatamente por nada fazerem de útil, mais sentem o peso do cansaço. A barba já grisalha caía-lhe nos peitos infestados doutros cabelos tão grisalhos estes quanto aqueles; o rosto estava sereno como se sonhasse o sono de uns quantos inocentes que ele nunca fora e nem nunca seria. Oxalá que, com a morte de tão vil senhor, possa o Homem criar algo de melhor valia aos afazeres da Terra do que este: velho sentado, dormitando sempre, inútil desde que pôs na Criação um ponto final. Inclusive, cabe-nos a pergunta de por que esta criatura foi meter-se a fazer mundos e animais e todo o resto sendo que, depois de terminado o homem – diferente de si, mas igual ao deus – nada mais fez da vida. Trabalhasse o senhor deus para pessoas com um maior grau de exigência e já se veria há tempos na, como dizem umas quantas bocas por cá, rua da amargura. Sim, que nada mais resta a este senhor do que aproveitar o gozo da eternidade até que se corrompa com o fel da morte o último dos Homens. Não se engane o leitor, pois se há na eternidade o Homem, deus há de ser eterno; da mesma maneira como deus só ocupa tal posto nos afazeres universais porque o homem é tolo o suficiente para não enxotá-lo de lá donde quer que esteja às vassouradas. Não, tão inútil quanto deus em seus afazeres é o homem por não evitá-lo. Deus, por mais que tenha sido invenção do Homem, não precisa de seu criador para nada, afora para ser deus. Desta maneira, acaba-se o homem, e já não haverá mais deus, apenas o universo que, satisfeito, terá se livrado das duas piores coisas que lhe podem ter ocorrido criar: uma, a primeira delas, o Homem; a outra, tão ruim quanto a outra, é o deus. Pelos vistos este universo em que vivemos não aprendeu com seus primeiros erros e permitiu ao Homem dar vida a tão abjeto ser. Cada morte do Homem é a morte de deus, e quando enfim não restarem mais Homens, não haverá mais deus.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Indicações de Livros de C.L. ou Guia Prático Para Leitores Principiantes em Clarice ou Como ler Clarice Lispector

 
 


Sim, eu sei que é muita prepotência de minha parte fazer um “guia de leitura” para os livros de Clarice. Mas já me explico, não me atirem pedras! Muitas pessoas sabem que eu admiro muito a pessoa de Clarice – a mulher – e a persona de Clarice – a escritora. E por saberem disso, pessoas me perguntam sempre: “como ler Clarice?”, “por qual livro começar?”, “por qual livro você começou?”, “você pode me indicar um livro de Clarice?”, dentre tantas outras perguntas que me fazem e sugestões que me pedem. Pois bem, este post vai especialmente para você que quer dar seus primeiros passos pela literatura clariciana, servirá como guia, um farol para te orientar na escuridão que ronda esta escritora tão incompreendida.  Tenho mais um aviso: apesar de toda a fama que recebe nos últimos tempos, Clarice viveu estigmatizada, sozinha dentro da literatura nacional, sem pares, sendo considerada hermética e alienada. Por algum motivo as pessoas hoje em dia andam citando qualquer frase escrita por adolescentes na TPM (o que me revolta muito, como você deve ter percebido) e atribuem a autoria das ditas frases a Clarice. Mistérios da meia-noite, como diria Zé Ramalho. Desculpem a pretensão, mas faço isso no intuito de ajudá-los (as) a compreender melhor Clarice durante seus primeiros passos. Mas, vamos lá então...

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Anotações Sobre um Ser Solitário

 
 
 

O solitário é um ser que se basta. Que não se importa com o silêncio, o escuro, é prático, costuma não expor intimidades e vontades. Portanto, nunca saberemos se ele não se importa de estar sempre só, e nem saberemos se é feliz em ser um solitário. Ser solitário pode ser vantajoso: em vez de uma garrafa, uma taça; em vez de jantares, comida. Não sabemos em quem vota, quem apoia, nem se conhece o desagravo. Sabemos que viaja sozinho, mas não temos certeza, já que não há registros em álbuns ou redes sociais. O solitário não vai à Paris ou Nova York, prefere Lituânia, Hong Kong, Croácia, Ucrânia. Se o seu desejo é não se comunicar, busca lugares e idiomas desconhecidos.

domingo, 28 de julho de 2013

Tentativa de Ser Feliz

 
 
- Por que tem luzinhas no céu, são estrelas?
- Cada luzinha que brilha é uma estrela.
- Mas o que é uma estrela?
- Uma bola de fogo grande, que nem o sol.
- Se são grandes, por que parecem pequenininhas?
- Porque estão longe. Olhe aquele homem gordo correndo lá longe. Ele não parece bem pequenininho? Mas é maior do que você. É enorme!
- Entendi
(Ficou parado me olhando, depois olhou para o homem sumindo à distância. Por fim, voltou-se para o céu e perguntou depois de alguns segundos olhando o escuro):
- Se são tão grandes, por que elas não caem lá do céu?
- Por causa da gravidade.
- É?
- É.
(Colocou a mão dentro do saco de salgadinhos e depois tirou os dedos lambuzados, lambendo-os metodicamente. Depois perguntou com a boca cheia, fazendo os farelos de salgadinho voarem em mim):
- O que é a gravidade?
- Eu sabia que você iria me perguntar.
(Riu, e os farelos de salgadinho se espalharam ainda mais):
- Como você sabia?
- Adivinhei.
- Eu também adivinho muita coisa.
- Eu sei.
- É? Adivinha no que eu tô pensando agora!
(Apertou os olhinhos, fazendo força para pensar. Fez um bico e arqueou as sobrancelhas):
- Gosto quando você pensa.
(Ele volta a fazer a cara de pensamento, não aguenta e ri. Depois eu faço uma careta, e ele abre a boca e mostra a língua cheia de salgadinho mastigado. Faço cara de nojo e ele ri. Depois me canso e acendo um cigarro):
- Eca, que nojo!
(Abana a fumaça e faz cara de nojo):
- Por que você fuma?
- Porque eu gosto.
- Mas fede!
- Você é quem fede.
- Não é nada disso.
- É sim
- Não
- Sim
- Você é quem é fedido
- Você é quem é.
- Você
- Você
(Parei de falar e terminei o cigarro. Encaixei-o entre meu dedão e o indicador, pressionei e a bituca foi parar longe, na grama. Ele olha catatônico a bituca pousar longe na grama e depois se apagar na escuridão. Exclama):
- Uau! Como você fez isso?
- Treino.
- Faça de novo - ordenou
- Não
- Por que?
- Teria de acender outro cigarro
- Acenda
- Não
- Por quê?
- Porque não quero fumar mais agora
- Mas você disse que gosta de fumar. Fume agora!
- Não.
(Silêncio)
- Quer saber da gravidade?
- Não
(Nesse momento ele não me olha mais, os dedinhos perdidos na grama).
- Mas você queria antes.
- Mas não quero mais
(Levanto e deixo-o sozinho por alguns instantes. Depois volto):
- Tá com sono?
- Não
- Mas está ficando tarde
- Não quero dormir
- Sua mãe está te chamando
(Silêncio)
- Quer ir embora?
- Não
- Quer saber sobre a gravidade?
- Não
- Você só sabe falar não?
- Não
(Olha e ri, depois pergunta envergonhado):
- O que é gravidade?
- Por que quer saber?
- Porque quero saber
- Por que pergunta sobre tudo?
- Porque sou curioso
- E chato
- Não sou nada
- É sim, quase insuportável
(Mostra a língua e ri)
- O que é?
- O que é o quê?
- Gravidade
- É assim - paro pra pensar - é como se fosse assim: a Terra é mais forte do que nós, daí ela nos puxa pra pertinho e não nos deixa sair voando por ai. Quando eu joguei o cigarro, ela puxou ele pra perto. A Lua gira em torno da Terra por causa da gravidade, porque a Terra é mais forte, e o Sol é mais forte do que a Terra. Tudo se liga e dai nada sai do lugar, a menos que tudo se mova junto, entendeu?
(Ele está atento, a sobrancelha franzida):
- Sim
- É mentira, não é?
- Sim
- É como se fosse... uma cordinha que segura tudo, como um imã de geladeira. Quando você crescer, vai entender.
- Eu não quero crescer
- Por quê?
- Porque gosto de ser criança.
- Você é feliz?
(Parou, ficou com um ar pensativo, depois me olhou e respondeu, chacoalhando a cabeça negativamente)
- Não.
- E por quê?
- Porque não quero crescer
- Pois sinto lhe informar, mocinho, que todo mundo cresce, vira adulto e depois morre.
(Ficou pensativo)
- E eu vou morrer?
- Sim
- Mas sou só uma criança, veja!
(Ficou de pé)
- Mas as crianças morrem, às vezes.
- Você não gosta de crianças, não é?
- Gosto sim.
- Mas de mim não
- Gosto de você também
- Eu queria ser seu filho
- Por quê?
- Não sei
(Fiquei pensativo)
- Você quer ter filhos?
- Sim
- Você está triste?
- Não sei
- Eu vou ser seu filho
- Por quê?
- Pra te alegrar
- Mas você já me alegra
(Para pensativo)
- Alegria não serva pra nada, não é?
- Na maioria das vezes não
(Silêncio)
- Está com sono?
- Sim
- Vou chamar sua mãe
- Espere
(Ficou atento)
- O que foi?
- Nada, acho que a gravidade estava dormindo também, mas acordamos ela
- Acho que não
- Por quê?
- Ela nunca dorme
- Nunca?
- Nunca
- Como os adultos?
- Mais até
- Ah
- Vamos
- Vamos
(Levanta e chacoalha a roupa coberta de farelos do salgadinho):
- É bom conversar, não é?
- Sim
- É como se fosse uma tentativa de ser feliz
- E você conseguiu ser feliz?
- Não sei, e você?
- Também não sei
- É...
- O que foi?
- Às vezes é melhor não saber mesmo
(Silêncio)

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Geladeiras, Tomates e Insônia





Voltei à frivolidade esquecida já há algum tempo para narrar-vos, leitores queridos, um fato que me vem literalmente tirando o sono: a vontade de comer coisas que eu, decididamente, não gosto (e nem nunca gostei) de comer. Dois exemplos que me ocorreram ainda esta semana são: tomate e feijão.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

#Resenhando: 03 obras de Fiódor Dostoiévski

 
 
O #Resenhando de hoje traz 03 obras do escritor russo Fiódor Dostoievski: A Senhoria, O Bobók e O Crocodilo. As resenhas têm como base os livros lançados pela editora 34 e traduzidos por Paulo Bezerra, Boris Schnaiderman e Fátima Bianchi.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

sábado, 6 de julho de 2013

#Resenhando: Lis no Peito (Jorge Miguel Marinho)


 
Um livro que pede perdão. Este é o subtítulo da obra de Jorge Miguel Marinho, fortemente inspirada em Clarice Lispector (1920-1977); e há, realmente, muito perdão a ser dado a este livro.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

#Resenhando: Perto do Coração Selvagem (Clarice Lispector)




1.       O Enredo
O romance vai narrar a vida de Joana desde a infância com o pai viúvo até a vida com Otávio, passando pelo convívio com a tia, o amor proibido por um professor e a estada no internato.
Desde muito nova Joana mostrava indícios de que seria totalmente alheia à vida com as outras pessoas, tendo um bom relacionamento apenas com o pai, que acaba morrendo, e com o professor que substitui a figura paterna.
É uma menina órfã de mãe que vive com o pai. Depois da morte do pai, Joana vai morar com os tios, que acabam ficando chocados com suas atitudes, como por exemplo, o fato de roubar livros, e mandam-na para um internato. Antes de ir ao internato, Joana mantém relações com um professor, que não percebe que a menina nutre por ele uma paixão.
Ao sair do reformatório, Joana conhece Otávio, que se sente atraído por ela ao vê-la alisar uma cadela grávida. O relacionamento com Otávio nunca foi fácil, pois Joana acha-o desprezível e tem pena dele por isso, não conseguindo se aproximar. O relacionamento entre os dois acaba sendo abruptamente interrompido e Joana refugia-se num Homem desconhecido e acaba tendo relações com ele, que acaba deixando-a. Apenas quando alcança a liberdade Joana vê-se totalmente realizada, ao fim do livro.

domingo, 23 de junho de 2013

A Famosa Olhadinha

 
 
 
O assunto de hoje pode, num primeiro momento, interessar apenas aos homens: vou falar não só de peitos (sim, peitos: seios, mamas, tetas, etc), como também vou falar de bundas (isso mesmo, bundas, o traseiro, as nádegas, os glúteos, o lombo, as curvas da estrada para o Inferno). Mas após algumas breves explicações, pode ser que o assunto interesse às minhas queridas leitoras – mas por que os homens (nós homens) gostamos tanto de peitos, bundas e tudo o que lembra peitos e bundas? Você, leitor, já parou para pensar a respeito? Pois é: a maioria das pessoas simplesmente nunca parou para pensar nisso, seguindo apenas o velho e conhecido hábito de dar uma viradinha e arquear as sobrancelhas ironicamente – o costume que atravessa gerações e que tanto ofende nossas belas mulheres. E você mulher, já parou para pensar que isso pode ser um ato até (por incrível que pareça) involuntário? Pois é: mais perguntas sendo formadas, e estamos aqui para (tentar) respondê-las. Mas para isso eu vou precisar voltar um pouco no tempo – 3,5 milhões de anos para ser mais exato – e pegar como objeto de estudo um exemplar do sexo feminino do Australopithecus Afarensis chamada Lucy, uma velha prima nossa, uma das primeiras da espécie que um dia se tornaria o ser humano.
 
 
Nossa história começa quando, num dia de primavera Lucy entra no cio e desce da copa da árvore em que vivia para poder acasalar. A diferença entre Lucy e uma mulher de hoje em dia (além, é claro, da aparência física), é que nossa prima distante tinha a vagina mais próxima do ânus, o que a permitia fazer apenas um tipo de posição sexual – o “cachorrinho”, ou seja, Lucy só podia acasalar ficando de quatro. Por conta disso, quando entrava no cio e descia do topo da árvore, Lucy simplesmente abria as pernas e ficava à espera de machos para realizar o ato. Como nessa época a genitália dos Australopithecus ficava mais atrás, os feromônios eram liberados com mais facilidade e o cheiro (de bacalhau) se espalhava pela savana inteira, atraindo machos de vários lugares diferentes. Estando de costas, Lucy não conseguia ver os machos que atraía, ficando apenas exposta para a cópula – não importando o número de cópulas, o importante era ‘chegar lá’.
 
‘Chegando lá’, grávida, Lucy voltava para o topo das árvores, tinha seus filhotes e vivia a vida, até o próximo cio, onde descia novamente e expunha a genitália. Acontece que Lucy deu lugar à suas filhas, que deram lugar à suas próprias filhas que seguiram seu exemplo. Isso até aproximadamente 2,5 milhões de anos atrás, quando já havíamos evoluído para outra espécie, o Homo Habilis. E durante este processo, o canal vaginal migrou do traseiro para o meio das pernas. Com esta migração, a posição usada até então – o cachorrinho – ficava mais difícil de ser realizada; e isso resultou em duas coisas. A primeira delas foi a posição ‘papai e mamãe’ – um por cima do outro; e a segunda é mais interessante para o tema deste texto no momento: com a genitália entre as pernas, as fêmeas passam a perder os pelos que tinham pelo corpo, esses pelos migrarão para a região púbica, justamente como fez o canal vaginal. Como a genitália foi para o meio das pernas, o feromônio, ou seja, o cheiro que atraía os machos, acabou ficando abafado, não tendo tanto lugar por onde sair; isso fez com que esse mesmo feromônio saísse principalmente pelos lugares onde os poros femininos são mais dilatados (abertos). E esses lugares são:
Tchantchantchantchan!!!!!!
Os seios e a bunda!
Este cheiro que é mais suave do que o de Lucy, mas que ainda trai os machos, sai por esses dois lugares, e é por isso, por uma espécie de instinto que permanece “semi-adormecido” nos machos, que sempre que passa uma mulher os homens dão aquela famosa olhadinha.
 
 
 
 
Agora vem a minha opinião: certo, ok, agora muitos usarão essa desculpa pra se justificar quando for pego em flagrante. Porém, se formos seguir à risca tudo o que foi dito, não é apenas para bundas saradas e empinadas que os homens devem olhar, mas sim para todas as bundas – afinal, bunda é bunda, e pronto. Portanto, sim, há raízes biológicas neste fenômeno da olhadinha, mas isso não justifica a safadeza alheia.
E tenho dito ;)

 
 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

O DESPERTAR DE UMA NAÇÃO




Neste exato momento em que escrevo, recebo a notícia de que os manifestantes acabam de invadir o Congresso Nacional. 65 mil pessoas estão em manifestação pelas ruas de São Paulo. Arnaldo Jabor retratou-se no rádio. A Copa está totalmente submersa diante das manifestações. A Cinelândia está tomada por nossos patrícios. Toda a Avenida Rio Branco está tomada. 100 mil pessoas no Rio de Janeiro manifestam-se. Dilma sendo vaiada. Estou hoje muito orgulhoso de ser brasileiro, e muito feliz por estar participando deste que foi o primeiro ato realmente patriota que já presenciei na minha vida. A imagem mais linda que já vi no ecrã da televisão: os manifestantes saindo às ruas, lembranças da Passeata dos Cem Mil. Ecos do passado – os primeiros passos para o futuro.
E tudo começou quando o preço da tarifa do ônibus em São Paulo teve um acréscimo de vinte centavos. E como ninguém gosta que algo público e de má qualidade fique vinte centavos mais cara, o povo acordou da apatia em que se mergulhara. Sei, na verdade todos nós sabemos, que esses vinte centavos não são muito o suficiente para comprar mais do que um pão – mas é deste pão que há tanto tempo estava preso, mofando, é deste pão que o Brasil precisava. O fato é que as manifestações tomaram proporções muito maiores do que o esperado, tanto pelos próprios manifestantes quanto pelas autoridades. Tais manifestos já são, por si só, motivo de muito orgulho – mas o melhor nisso tudo, é que vejo pessoas que não precisavam estar ali, dando seu apoio aos manifestantes. A Classe Média saindo às ruas. Não somos mais uma classe ou outra: somos brasileiros.

É com grande orgulho que digo: eu vivi, eu presenciei o despertar de uma nação. Apesar de toda a truculência das forças policiais, o povo resiste bravamente. Mas há algo que me deprime: é ver pessoas que, no cúmulo do não-patriotismo, dizem que tudo isso é pura perca de tempo – coisa de quem não tem o que fazer.  Aparentemente as pessoas são ou profundamente hipócritas ou sofrem de lapsos de memória. A minha vida toda, desde que me lembro, ouvi os mais velhos falando que nossa geração é acomodada, alienada, calada, passiva, e muitos outros substantivos. Sempre ouvi que os jovens de hoje não fazem manifestos, e citavam como exemplo o Movimento dos Caras Pintadas e tantos outros. E hoje, quando finalmente o jovem brasileiro levanta o traseiro do assento e toma alguma posição, este mesmo jovem que sempre recebeu substantivos que denotam fraqueza, tem a sua liberdade tolhida, massacrada e obliterada pelos mesmos adultos que tanto incentivam uma tomada de posição. Ora, esses comentários dignos dos “tios à lá Datena” são, não apenas desnecessários, como também fruto de uma falta de reflexão tremenda: onde está o povo que lutou na Passeata dos Cem Mil?, morreu?, dormiu? Antes fosse, sinceramente!

Há pessoas que acreditam que a única solução para tudo isso é a polícia “descer a lenha” em todo mundo. Meu deus! Onde chegamos, afinal? Não estou querendo dizer que deveríamos ficar contra a polícia – lembremo-nos de que estão apenas cumprindo ordens (de uma maneira totalmente covarde, ainda mais se pegarmos como exemplo a delegada que desacatou tais ordens e permitiu a manifestação em Belo Horizonte há alguns dias).

A você, cidadão desinformado, eu lhe digo: as manifestações já não são mais por simples vinte centavos. Não se trata simplesmente de uma revolta sobre o transporte público: o povo cansou, a nação que gostava apenas de carnaval, futebol e novela, aparentemente se cansou de tudo isso e foi às ruas reclamar de tanta infâmia que vem sendo enfiada goela à baixo do brasileiro dia após dias nas últimas duas décadas (e vou parar nos anos 1980-1990, o resto seria demasiado afastado da situação contemporânea). As manifestações não são mais sobre os vinte centavos, mas sim pelo meu direito (e pelo direito de quem reclama também) e pelo direito de todas as pessoas, de irem às ruas e se manifestarem sem serem chamados de criminosos por conta disso. Não, não se trata apenas dos vinte centavos, reclamamos de tudo aquilo que vem-nos acontecendo até hoje e que nós, por pura apatia, calamos. Todos estes protestos não são pelo trânsito, nem pelos vinte centavos, é por você e por mim. Não se trata de movimentação política, não tem a ver com esquerda ou direita, nem com partidarismo, nem se trata de um golpe comunista. Trata-se, simplesmente, da primeira vez em mais de vinte anos que o brasileiro saiu às ruas para reclamar de muitas coisas até então silenciadas. Esta não é, de forma alguma, uma manifestação de bandidos, mas sim uma manifestação de brasileiros – de um povo que quer ter o direito de ir às ruas reclamarem seus direitos, sem serem, com isso, considerados terroristas.

Infelizmente essa série de protestos transformou a polícia no inimigo principal da população. Mas a atitude dos policiais me lembra o longa metragem “O Dia Em Que Dorival Encarou a Guarda”: em um dado momento, o personagem principal solta uma frase que cabe nas atuais situações: “pau mandado não tem lema”. Lembremo-nos, amigos, que os policiais ainda estão cumprindo ordens, e não se deram conta de que, assim como os manifestantes, fazem parte desta nação.

Acredito que neste momento é nosso direito e dever tomar as ruas (até porque as ruas são públicas e não precisamos de permissão para tomá-las segundo o que está descrito no Art. 5° Inciso XVI da Constituição) em protesto.

Quanto àqueles que ainda insistem em reclamar porque estão fechando as ruas: não há desculpa mais esfarrapada do que essa. Além de denotar um profundo “bundamolismo”, ainda indica o quão egoístas são as pessoas atualmente. Apenas pense, senhor reclamão, que os manifestantes estão lutando por um direito seu, e que você tem o dever de, como eles, reclamar os direitos de toda a população. Unamo-nos nesta hora, todos nós! Junte-se a nós nessa luta (muito justa, diga-se de passagem). E lembre-se de que enquanto você está do lado do Estado, o Estado está contra você. Apenas pare para pensar nisso tudo.

Nós temos o direito de protestar, nós temos o direito à livre expressão, o direito de ir e vir: usufruamos dele neste momento. E nós não devemos tolerar que o Estado mande os policiais, que supostamente são treinados para bater em bandidos, baterem em manifestantes. Pensemos: quantas vezes passamos por verdadeiros perrengues por falta de segurança e não há um policial para nos auxiliar?, quantos de nós já não foi assaltado e não recebeu resposta dos policiais? E nesse exato momento, os policiais estão tomando atitudes totalmente grotescas contra a população que deveria proteger.

O mais interessante de tudo isso, é que até mesmo a mídia, que até poucos dias estava deturpando a situação, voltou-se contra o Estado: isso porque os próprios jornalistas estão sendo presos, estão voltando para casa machucados, impossibilitados de fazerem seu trabalho.

Nós não podemos agir passivamente a tudo isto: pacificamente sim – como bem disse o Paulo Cezar Siqueira em vídeo que foi ao ar hoje no Youtube – mas passivamente não. Não sejamos complacentes com a polícia que, infelizmente, voltou-se contra nós, curvando-se às atitudes fascistas que vêm do Estado.

Junte-se a nós neste movimento pelo progresso do nosso país: agora, não há ricos ou pobres, brancos ou negros, héteros ou homossexuais, homens ou mulheres – neste momento somos um só ideal, um só povo: agora, nós somos brasileiros.

Senhores, é com imensa alegria que digo: a nação, finalmente, despertou.
 
 
 

domingo, 16 de junho de 2013

Arnaldo Jabor: o homem dos vinte centavos

 
 
 
Muito se tem falado sobre a série de protestos que se alastrou depois do acréscimo dos vinte centavos nas tarifas dos ônibus. O fato é que, desde a última semana, começou pelo Brasil inteiro uma onda de manifestações que ficarão um dia conhecidas (talvez) como a Revolta do Vinagre. Lembremo-nos, já tivemos a Revolta da Vacina, a Revolta da Chibata, a Revolta dos Farrapos e tantas outras manifestações revoltosas em nossa pacata história de tupiniquins euro-afro descendentes. Depois de um longo hiato que se arrastou por mais de duas décadas, os jovens brasileiros saíram do conforto do lar e do anonimato oferecido pela internet e foram às ruas, o que é para mim motivo de muito orgulho. Quantos dos jovens não cresceram ouvindo os mais velhos reclamando da estagnação social na qual o brasileiro contemporâneo caiu? Eu mesmo passei a vida toda ouvindo esta ladainha que aparentemente seria eterna. E agora que os jovens tomaram frente em um movimento contra o Estado, o que acontece? As pessoas reclamam, dizem que não seria necessário tanto alvoroço por míseros vinte centavos. E dos reclamões, talvez o mais detestado atualmente seja um senhor chamado Arnaldo Jabor, comentarista deveras conhecido por nós. E é a este senhor que me dirijo antes de discorrer um pouco sobre a Revolta do Vinagre.
O que desencadeou tanta raiva foi o comentário infeliz que este senhor proferiu no último dia 12/06 (se não estou enganado). No dito comentário, deveras tendencioso, diga-se de passagem, Jabor questiona, dentre outras coisas, por que tanta raiva por “míseros” vinte centavos. Pelos vistos o senhor faltou às aulas de matemática, ou esqueceu-se delas com o passar dos anos; ou então se esqueceu de que existe uma realidade um pouco diferente da vivida em seus padrões custeados pela mídia brasileira – mas isso é outro mérito. Façamos as contas: vinte centavos por passagem para quem pega dois ônibus ao dia, são quarenta centavos a mais diariamente. Quarenta centavos diários rendem dois reais semanais, o que leva à uma redução de oito reais no fim de cada mês no bolso de um pai de família que sustenta a casa e os filhos com um salário mínimo. E isso para não dizer que estou contando apenas os dias úteis de uma semana, e não o sábado, pois caso eu acrescentasse mais um dia, seriam quase dez reais perdidos no fim do mês. E acrescento o sábado, senhor Jabor, porque na vida real, as pessoas trabalham de segunda a sábado. E exatamente por não viver esta realidade, o senhor simplesmente ridiculariza o acréscimo destes poucos vinténs à passagem.
Quanto às depredações, tenho que concordar com o senhor, Jabor: realmente é desnecessário que haja tais atitudes em um movimento pacífico. Ainda mais se formos entrar no mérito de que o povo que agora grita, calou-se por longos anos o que agora ouvimos não é apenas o grito contemporâneo, mas também o eco do passado de nossa nação que estava submergindo numa inescapável alienação e numa odiosa estagnação social. Não defendo as depredações, muito pelo contrário: além de desnecessárias, tais atitudes afastam uma classe social a qual devia-se buscar um aliado – a Classe Média. Todavia, o senhor mesmo cita pessoas da Classe Média que estão participando dos protestos, isso demonstra que, apesar de tudo, ganhou-se algum apoio da dita burguesia.
Lembro ao senhor que os “míseros vinte centavos”, como o senhor mesmo os define, não foram o principal motivo para as manifestações, serviram apenas como estopim para que se iniciasse a atual revolução que felizmente tem acontecido. O que reivindicam extrapola a esfera dos “míseros vinte centavos”, chegando mesmo às reivindicações sobre educação, saúde, segurança e justiça – justiça esta que não existe e provavelmente não existirá em um país onde o que existe são leis para o proletariado, para a massa que invade agora as ruas, para a Classe C.
Quanto à PEC37, concordo mais uma vez com o senhor, mas garanto – vistas as atuais circunstâncias sociais do povo brasileiro – que ela também terá a sua vez: e sobre isso, deixemos o amanhã para o amanhã.
E encerro dizendo que a sua atitude traduz o pensamento da grande maioria das pessoas: acharam que as pessoas não iriam se levantar, acharam que a apatia seria eterna, acreditaram que o jovem não conseguiria retomar os ideais de seus pais na década de oitenta – o de reinventar a Democracia, colocando os interesses do povo em primeiro lugar. Pessoas como o senhor, Arnaldo Jabor, acreditaram que o brasileiro não iria notar que as autoridades estão aqui, é apenas para servir à população, e não para explorá-la. Os reacionários notaram que há o direito ao grito – e por isso, gritamos: gritamos sem pedir esmolas. E a estes reacionários, desejo – desejamos – boa sorte, pois o tempo é chegado: e finalmente mostraremos que o povo brasileiro vale muito mais do que míseros vinténs, e que este valor deveria ser atribuído àqueles que, oprimidos pela estagnação, não fazem mais do que insurgir nos mesmos erros do passado para ter os mesmos problemas no futuro.


LINK PARA O VÍDEO DO JABOR: http://www.youtube.com/watch?v=l3Py-_9vY20

quinta-feira, 6 de junho de 2013