domingo, 27 de outubro de 2013

Machismo para crianças - um guia prático. Ou: o lugar da mulher


Quando acreditamos estar numa sociedade livre de preconceitos, com ações de conscientização para todas as pessoas, incluindo-se ai as crianças (visto que, como diziam os antigos, e bem sabiam o que diziam eles naquele começo de mundo, é de pequenino que se torce o pepino), encontramos a imagem acima num livro didático. Na imagem, a criança deve ligar as figuras masculina e feminina às atividades com mais afinidades ao seu gênero. Com ideias como “cuspir no chão” ou “usar brincos”, a figura foi alvo de protestos de feministas (como este que vos fala) e de pessoas sem ligação nenhuma ao movimento. Todavia as atividades mais peculiares, que mais vêm sofrendo asseverações, são frases como “ajudar a limpar a casa” e “lavar a louça”, obviamente sugestionadas à figura feminina.

Em nota, a Editora Positivo deu seu parecer em resposta às admoestações que vem sofrendo: “Esclarecemos que em nenhum momento a finalidade deste exercício é impor padrões ou corroborar com estereótipos de gênero. A atividade, vale mencionar, é parte de um contexto onde o objetivo é justamente promover o debate para combater relações autoritárias e questionar a rigidez dos padrões”.


Em primeiro lugar, antes de qualquer protesto contra as duas últimas frases citadas, devemos nos lembrar de que as restantes são tão peculiares quanto estas: estamos mesmo fundando uma sociedade que mostra que “cuspir no chão” é uma atividade aceitável para meninos?, ando um pouco ultrapassado neste sentido, mas na minha singela opinião não é normal que ninguém cuspa no chão, seja esta pessoa menino, menina, homem, mulher, idoso ou idosa – se você cospe no chão, PARE! E ensinar as crianças que isso é algo normal já é, per si, algo de gosto meio duvidoso. Outra frase que é claramente dirigida ao público masculino é a “jogar futebol”; isto em tempos de Marta (a jogadora brasileira) – só para citar um exemplo – e de outras tantas mulheres que, finalmente, conquistaram este espaço: o de jogar futebol. Claramente há pessoas que encaram esta atividade voltada apenas para o público masculino, e talvez isso aconteça – quem sabe? – porque desde pequenos a ligação a ser feita é simples: futebol é coisa de homem, não de mulher. Portanto, se já vivemos numa sociedade tão machista quanto a nossa, não precisamos – vou repetir NÃO PRECISAMOS – de mais incentivos a isso. Afora o fato de que as frases “usar cabelo cumprido” ou “usar brincos” são totalmente ultrapassadas numa sociedade onde a cultura de gêneros começou a cair justamente por estes aspectos: não são poucos os homens que usam brincos ou cabelos cumpridos; da mesma forma como não são poucas as mulheres de cabelos curtos.

E agora caímos, inevitavelmente, nas famigeradas frases que geraram tamanho olor nos últimos dias: “ajudar a limpar a casa” e “lavar a louça”. Eu vou reescrever a resposta da editora para desconstruí-la paulatinamente para entrarmos em discussão:

1° “em nenhum momento a finalidade deste exercício é impor padrões ou corroborar com estereótipos de gênero” – temos de combinar que a palavra “afinidade” usada no exercício já mostra que o (ou um dos) objetivo(s) do exercício é sim reforçar os estereótipos de gênero. Além disso, lembremo-nos que crianças – como a maioria das pessoas – são facilmente sugestionáveis. Obviamente elas não irão fazer a ligação (o que é certo e errado de um homem/ uma mulher fazerem) de maneira implícita, todavia isso é algo que faz parte da formação moral daquela criança enquanto indivíduo; basta que nos lembremos de que é na infância que agregamos valores que serão seguidos por toda a vida. Logo, insinuar que lavar a louça é coisa de menina, já põe em alta o machismo dos alunos, mostrando aos mesmos que, se fizerem esta atividade, vão ser chamados de “menininhas” – sim, é assim que acontece, e todos sabem disso.

2° “a atividade é parte de um contexto onde o objetivo é justamente promover o debate para combater relações autoritárias e questionar a rigidez dos padrões” – claro que sim, eu gostaria de saber de quem foi a brilhante ideia de fazer a tentativa de um debate tão complexo com crianças. Lembremo-nos que estamos num lugar onde o que convém é deixar as coisas como estão, não pensar diferente, seguir a boiada rumo ao abatedouro. Seria realmente ótimo se as crianças fossem estimuladas a isso, todavia há meios mais eficientes e com resultados menos ambíguos do que os deste exercício. Além do que, para fazer tais debates, seriam precisos professores que não colocassem seus próprios valores na atividade – o que, muitas vezes, acontece – e se mostrar imparcial no que diz respeito às próprias vivências, buscando não transmiti-las aos alunos; agora, nossa sociedade está afundada até às tampas com o machismo, inclusive há mulheres machistas, que não conseguiriam debater de maneira racional e clara sobre este assunto com ninguém, ainda mais com uma criança durante a fase de sua formação pessoal.
Isso tudo nos faz pensar em qual é o lugar da mulher na nossa sociedade. Aparentemente os poucos avanços alcançados por elas durante o último século serão facilmente submergidos num país onde a mulher estar à frente é algo desconfortável. Não: esqueçam a presidência, esqueçam os cargos importantes; infelizmente, no Brasil, o lugar da mulher era, é e, muito provavelmente, continuará sendo a cozinha.

 

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