De repente o fim:
cinco, quatro, três, dois, um. Recomeço. A fila branca se estende – sai por
todos os quartos de todas as casas, de todas as ruas, de todos os bairros, de
todas as cidades, de todos os estados, de todos os países. De longe, muito
longe, com os olhos encobertos pelo véu de um céu escuro, o deus de todos
observa em silêncio o mundo: tudo branco e límpido. Fiat lux: no meio da noite,
os corpos, meras almas arrastadas pelo turbilhão da sequencia dos minutos que
insistem em nunca cessar, os corpos todos são puros e brancos: cegos da
Verdade.
Ansiosos, os sete
bilhões de fantasmas contam os segundos para que tudo termine e torne a
começar: por apenas alguns segundos todos somos verdadeiramente irmãos – o deus
desce à terra e junta-se a todos os homens.
E neste mesmo momento, longe dali, alguém morre de fome ou de sede,
alguém morre de frio ou de peste. Naquela mesma hora, o fim: o mundo todo
branco manchado, maculado pela morte negra e vermelha.
Pois oxalá não
venha deus voltar sua cabeça para estes outros cantos: os cantos escuros onde
homens e mulheres não são diferentes dos primeiros animais. Os pais de todos
rejubilam-se diante da brancura do mundo. Um anjo caído balança sua cabeleira
numa gargalhada infernal; há uma semana o Cristo renasceu, e agora, neste mesmo
instante, o que está por renascer é muito maior que qualquer outro cristo –
nestes cinco, quatro, três, dois, um, estamos todos nós a renascer.
À beira d’água as
filas espalham-se para pular as sete ondas que a mãe d’água gentilmente nos
envia. E naquele mesmo momento, mil e quatrocentas bocas racham-se de sede. Mil
e quatrocentos olhos fecham-se, secos e suaves.
E somos todos
cegos – incuravelmente cegos diante da misericórdia do Alto. O maná cai do céu
em forma de alegria e votos de sorte e amor e todo o resto de falsidades. Por
um triz, nós, os homens, os macacos de calças brancas, por um triz nós não
somos um orgasmo da natureza: por um triz não somos fruto do prazer de deus.
Por um triz, o mundo não acaba realmente.
Estamos à beira.
Estamos na iminência de um despertar, mas nossa cegueira branca, como as roupas
que em breve usaremos, nossa cegueira não nos permite ver que: por trás de toda
luz há uma ausência de formas. Por isso, meu voto a todos neste ano próximo, é
o despertar: que no momento em que as taças vibrarem no ar, possamos ouvir os
gritos silenciosos que vêm de todos os cantos do mundo; ouçamos, irmãos, eu vos
suplico: se somos cegos, não sejamos surdos para não ouvir, e, se acaso viermos
um dia a ouvir, que não sejamos hipócritas para calar. Mas, se ousarmos calar,
que sejamos homens para morrer: pois tudo, até o ano que passou, tudo tem o seu
fim, inclusive nós – meros encaixes neste mundo.
Que no próximo ano
nós nos tornemos mais questionadores, que deixemos de ser marionetes de um
idealismo sem fundamentos racionais. Eu desejo a todos que a vossa cegueira, e
a minha também, se cure, e que possamos enxergar a nós mesmos e ao outro como
verdadeiramente somos: pessoas, homens e mulheres sedentos de esperança – pois
a esperança é a maior das alegrias que podemos ter. E que à meia-noite do
próximo ano nós possamos nos vestir de todas as cores, pois o mundo não
necessita apenas de paz, necessita de pessoas que façam valer a paz que
pretendem alcançar. Eu rezo por um ano novo em que as pessoas sejam exatamente
isso: pessoas, e que o deus nos valha e nos proteja de nós mesmos e de sua ira:
que nos perdoe, pois também é preciso perdoar para ser perdoado.
XXX
Feliz ano novo, cheio de realizações e mudanças, até 2013!
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