sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Prece de Ano-Novo




De repente o fim: cinco, quatro, três, dois, um. Recomeço. A fila branca se estende – sai por todos os quartos de todas as casas, de todas as ruas, de todos os bairros, de todas as cidades, de todos os estados, de todos os países. De longe, muito longe, com os olhos encobertos pelo véu de um céu escuro, o deus de todos observa em silêncio o mundo: tudo branco e límpido. Fiat lux: no meio da noite, os corpos, meras almas arrastadas pelo turbilhão da sequencia dos minutos que insistem em nunca cessar, os corpos todos são puros e brancos: cegos da Verdade.

Ansiosos, os sete bilhões de fantasmas contam os segundos para que tudo termine e torne a começar: por apenas alguns segundos todos somos verdadeiramente irmãos – o deus desce à terra e junta-se a todos os homens.  E neste mesmo momento, longe dali, alguém morre de fome ou de sede, alguém morre de frio ou de peste. Naquela mesma hora, o fim: o mundo todo branco manchado, maculado pela morte negra e vermelha.

Pois oxalá não venha deus voltar sua cabeça para estes outros cantos: os cantos escuros onde homens e mulheres não são diferentes dos primeiros animais. Os pais de todos rejubilam-se diante da brancura do mundo. Um anjo caído balança sua cabeleira numa gargalhada infernal; há uma semana o Cristo renasceu, e agora, neste mesmo instante, o que está por renascer é muito maior que qualquer outro cristo – nestes cinco, quatro, três, dois, um, estamos todos nós a renascer.

À beira d’água as filas espalham-se para pular as sete ondas que a mãe d’água gentilmente nos envia. E naquele mesmo momento, mil e quatrocentas bocas racham-se de sede. Mil e quatrocentos olhos fecham-se, secos e suaves.

E somos todos cegos – incuravelmente cegos diante da misericórdia do Alto. O maná cai do céu em forma de alegria e votos de sorte e amor e todo o resto de falsidades. Por um triz, nós, os homens, os macacos de calças brancas, por um triz nós não somos um orgasmo da natureza: por um triz não somos fruto do prazer de deus. Por um triz, o mundo não acaba realmente.

Estamos à beira. Estamos na iminência de um despertar, mas nossa cegueira branca, como as roupas que em breve usaremos, nossa cegueira não nos permite ver que: por trás de toda luz há uma ausência de formas. Por isso, meu voto a todos neste ano próximo, é o despertar: que no momento em que as taças vibrarem no ar, possamos ouvir os gritos silenciosos que vêm de todos os cantos do mundo; ouçamos, irmãos, eu vos suplico: se somos cegos, não sejamos surdos para não ouvir, e, se acaso viermos um dia a ouvir, que não sejamos hipócritas para calar. Mas, se ousarmos calar, que sejamos homens para morrer: pois tudo, até o ano que passou, tudo tem o seu fim, inclusive nós – meros encaixes neste mundo.

Que no próximo ano nós nos tornemos mais questionadores, que deixemos de ser marionetes de um idealismo sem fundamentos racionais. Eu desejo a todos que a vossa cegueira, e a minha também, se cure, e que possamos enxergar a nós mesmos e ao outro como verdadeiramente somos: pessoas, homens e mulheres sedentos de esperança – pois a esperança é a maior das alegrias que podemos ter. E que à meia-noite do próximo ano nós possamos nos vestir de todas as cores, pois o mundo não necessita apenas de paz, necessita de pessoas que façam valer a paz que pretendem alcançar. Eu rezo por um ano novo em que as pessoas sejam exatamente isso: pessoas, e que o deus nos valha e nos proteja de nós mesmos e de sua ira: que nos perdoe, pois também é preciso perdoar para ser perdoado.
 
Um feliz ano-novo que possamos ser mais do que somos hoje, e mais do que fomos ontem. Um feliz ano-novo cheio de normalidades e de altos e baixos – e, para isso, um ano-novo cheio de sabedoria para administrar tanto um lado quanto o outro. Um feliz ano-novo, que nós possamos crescer e florescer como pessoas, unirmo-nos como uma família, alegrarmo-nos como irmãos.

XXX
 
Feliz ano novo, cheio de realizações e mudanças, até 2013!

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