Jesus e os seus iam pelos caminhos e povoados, e
Deus falava pela boca de Jesus, e eis o que dizia, Completou-se o tempo e o
reino de Deus está perto, arrependei-vos e acreditai na boa nova. Ouvindo isto,
pensava o vulgo das aldeias que entre completar-se o tempo e acabar-se o tempo
não podia haver diferença, e que, portanto vinha aí próximo o fim do mundo, que
é onde o tempo se mede e gasta. Todos davam muitas graças a Deus pela
misericórdia de ter mandado adiante, a dar formal aviso da iminência do
sucesso, um que se dizia seu Filho, o que bem podia ser verdade, porquanto sem
mais nem quê obrava milagres por onde quer que passava, a única condição, se
assim se lhe deve chamar, mas essa imprescindível, era a convicta fé de quem
lhos rogasse, como foi o caso daquele leproso que lhe suplicou, Se quiseres,
podes limpar-me, e Jesus, com muito dó do mísero chagado, tocou-o e mandou,
Quero, fica limpo, palavras não tinham sido ditas; naquele mesmo instante a
carne podre tornou-se sã, o que nela já faltava achou-se reconstituído, e onde
antes estivera um gafoso horrendo e sujo, de quem todo o mundo fugia, via-se
agora um homem lavado e perfeito, muito capaz para tudo. Um outro caso,
igualmente digno de nota, foi o daquele paralítico a quem, por ser multidão a
gente à entrada da porta, tiveram de fazer subir e depois descer, no seu catre,
por um buraco do telhado da casa onde Jesus estava, que seria a de Simão,
chamado Pedro, e porque tão grande fé era merecedora de prêmio, disse Jesus,
Meu filho, os teus pecados te são perdoados, ora aconteceu que tinham ido ali
uns escribas desconfiados, desses que em tudo veem um motivo de recriminação e
trazem a lei na ponta da língua, e que, ouvindo o que Jesus disse, não tiveram
mão que não protestassem, Por que falas assim, estás a blasfemar, pecados só
Deus os pode perdoar, e Jesus respondeu com uma pergunta, Qual é mais fácil,
dizer ao paralítico Os teus pecados te são perdoados, ou dizer-lhe Levanta-te,
toma o teu catre e anda, e, sem esperar que algum dos outros lhe respondesse,
concluiu, Pois bem, para que saibais que tenho na terra o poder de perdoar os
pecados, ordeno-te, isto era dito para o paralítico, que te levantes, tomes o
teu catre e vás para tua casa, palavras foram elas tais que ali se assistiu
logo a levantar-se de pé o miraculado, ainda por cima recuperado das forças,
apesar da inacção causada pela paralisia, pois tomou o catre e pô-lo às costas,
e foi-se à sua vida, dando mil graças a Deus.
Está visto que as pessoas não andam todas por aí a
pedir milagres, cada um de nós, com o tempo, habitua-se às suas pequenas ou
medianas mazelas e com elas vai vivendo sem que alguma vez lhe passe pela
cabeça importunar os altos poderes, mas os pecados são outra coisa, os pecados
atormentam por baixo do que se vê, não são perna coxa nem braço tolhido, não
são lepra de fora, mas são lepra de dentro. Por isso tinha tido Deus muita
razão quando a Jesus disse que todo o homem tem pelo menos um pecado de que se
arrepender, e o mais corrente e normal é que tenha muitíssimos. Ora, estando
este mundo para acabar e vindo aí o reino de Deus, mais do que querermos entrar
nele com um corpo refeito à custa de milagres, o que importa é que a ele
sejamos encaminhados por uma alma, a nossa, purificada pelo arrependimento e
curada pelo perdão. Aliás, se o paralítico de Cafarnaúm tinha passado uma parte
da sua vida num grabato era porque pecara, pois é sabido que toda a doença é
consequência de pecado, por isso, conclusão sobre todas lógica, a vera condição
duma boa saúde, além de o ser da imortalidade do espírito, e não sabemos mesmo
se da do corpo, só poderá ser uma integralíssima pureza, uma ausência absoluta
do pecado, por passiva e eficaz ignorância ou por activo repúdio, tanto nas
obras como nos pensamentos. Porém, não se julgue que o nosso Jesus andasse por
aquelas terras do Senhor a desbaratar o poder de curar e a autoridade de
perdoar que pelo mesmo Senhor lhe fora outorgado. Não que ele o não tivesse
desejado, claro está, pois mais o seu bom coração o inclinaria a tornar-se em
universal panaceia do que, como por mando de Deus estava obrigado, ter de anunciar
a todos o fim dos tempos e reclamar de cada um arrependimento, e para que não
perdessem os pecadores demasiado tempo, em cogitações que mais não visavam que
adiar a difícil decisão de dizer, Eu pequei, o Senhor punha na boca de Jesus
certas prometedoras e terríveis palavras, como estas eram, Em verdade vos digo
que alguns dos que estão aqui presentes não experimentarão a morte sem ter
visto chegar o reino de Deus com todo o seu poder, imaginem-se agora os efeitos
arrasadores que um tal anúncio produziria nas consciências dos povos, de toda a
parte as multidões acorriam, ansiosas, e punham-se a seguir Jesus como se ele,
directamente, as devesse conduzir ao paraíso novo que o Senhor instauraria na
terra e que se distinguiria do primeiro por serem agora muitos os que dele
gozariam, havendo resgatado, por oração, penitência e arrependimento, o pecado
de Adão, também chamado original. E como, em sua maior parte, esta confiante
gente provinha de baixos estratos sociais, artesãos e cavadores de enxada,
pescadores e mulherzinhas, atreveu-se Jesus, num dia em que Deus o deixara mais
à solta, a improvisar um discurso que arrebatou todos os ouvintes, ali se tendo
derramado lágrimas de alegria como só se conceberiam à vista duma já não
esperada salvação, Bem-aventurados, disse Jesus, bem-aventurados vós, os
pobres, porque vosso é o reino de Deus, bem-aventurados vós, os que agora
tendes fome, porque sereis saciados, bem-aventurados vós, os que agora chorais,
porque haveis de rir, mas nesta altura deu-se Deus conta do que ali se estava a
passar, e, não podendo suprimir o que por Jesus tinha sido dito, forçou a
língua dele a pronunciar umas outras palavras, com o que as lágrimas de
felicidade se tornaram em negras lástimas por um futuro negro, Bem-aventurados
sereis quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem, vos insultarem e
rejeitarem o vosso nome infame, por causa do Filho do Homem. Quando Jesus isto
acabou de dizer, foi como se a alma lhe tivesse caído aos pés, pois no mesmo
instante se lhe representou no espírito a trágica visão dos tormentos e das
mortes que Deus lhe havia anunciado no mar. Por isso, diante da multidão que o
olhava transida de pavor, Jesus caiu de joelhos e, prostrado, orou em silêncio,
nenhum de quantos ali se encontravam podia imaginar que ele estivesse pedindo,
a todos, perdão, ele que se gloriava, como Filho de Deus que era, de poder
perdoar aos demais. Nessa noite, na intimidade da tenda em que dormia com Maria
de Magdala, Jesus disse, Eu sou o pastor que, com o mesmo cajado, leva ao sacrifício
os inocentes e os culpados, os salvos e os perdidos, os nascidos e os por
nascer, quem me libertará deste remorso, a mim que me vejo, hoje, como meu pai
naquele tempo, mas ele é por vinte vidas que responde, e eu por vinte milhões.
Maria de Magdala chorou com Jesus e disse-lhe, Tu não o quiseste, Pior é isso,
respondeu ele, e ela, como se desde o princípio conhecesse, por inteiro, o que,
aos poucos, temos vindo nós a ver e a ouvir, Deus é quem traça os caminhos e
manda os que por eles hão-de seguir, a ti escolheu-te para que abrisses, em seu
serviço, uma estrada entre as estradas, mas tu por ela não andarás, e não
construirás um templo, outros o construirão sobre o teu sangue e as tuas
entranhas, portanto melhor seria que aceitasses com resignação o destino que
Deus já ordenou e escreveu para ti, pois todos os teus gestos estão previstos,
as palavras que hás-de dizer esperam-te nos sítios aonde terás de ir, aí
estarão os coxos a quem darás pernas, os cegos a quem darás vista, os surdos a
quem darás ouvidos, os mudos a quem darás voz, os mortos a quem poderias dar
vida, Não tenho poder contra a morte, Nunca o experimentaste, Já, sim, mas a
figueira não ressuscitou, O tempo, agora, é outro, tu estás obrigado a querer o
que Deus quer, mas Deus não pode negar-te o que tu queiras, Que me liberte
desta carga, não quero mais, Queres o impossível, meu Jesus, a única coisa que
Deus verdadeiramente não pode, é não querer-se a si mesmo, Como o sabes tu, As
mulheres têm uns outros modos de pensar, talvez seja por o nosso corpo ser
diferente, deve ser isso, sim, deve ser isso.
Um dia, porque a terra sempre é grande de mais para
o esforço de um homem, mesmo quando se trate apenas duma sua pequeníssima
parcela, como é, neste caso, a Palestina, decidiu Jesus mandar os seus amigos,
aos pares, a anunciar pelas cidades, vilas e aldeias a próxima chegada do reino
de Deus, ensinando e pregando por toda a parte, como ele o fazia. E como assim
se achou sozinho com Maria de Magdala, pois as outras mulheres tinham
acompanhado os homens, conforme os gostos e as preferências deles e delas,
lembrou-se de irem de jornada até Betânia, que está perto de Jerusalém, e
assim, se ao dito não falta respeito, matavam dois coelhos duma cajadada,
visitando eles a família de Maria, que já era tempo de que se reconciliassem os
irmãos e conhecessem os cunhados, e indo depois o grupo, outra vez reunido, a
Jerusalém, pois Jesus marcara encontro a todos os seus amigos para daí a três
meses, em Betânia. Do que fizeram os doze nas terras de Israel não há muito
para dizer, em primeiro lugar, porque, tirante alguns pormenores da vida e
circunstâncias da morte, não foi a história deles que fomos chamados a contar,
e, em segundo lugar, porque não lhes havia sido concedido mais do que o poder
de repetir, porém segundo o jeito de cada um, as lições e as obras do mestre, o
que quer dizer que ensinaram como ele, mas curaram conforme souberam. Pena foi
que Jesus lhes tivesse taxativamente ordenado que não seguissem pelo caminho
dos gentios nem entrassem em cidade de samaritanos, porque com essa
manifestação de surpreendente intolerância, que não devia poder esperar-se duma
pessoa tão bem formada, perdeu-se a oportunidade de abreviar futuros trabalhos,
pois tendo Deus o propósito, assaz claramente expresso, de ampliar os seus
territórios e influência, mais tarde ou mais cedo terá a vez de chegar, não só
aos samaritanos, mas sobretudo aos gentios, quer os daqui, quer os das outras
partes. Dissera-lhes Jesus que curassem os enfermos, ressuscitassem os mortos,
limpassem os leprosos, expulsassem os demônios, mas, em verdade, além de umas
alusões vagas e muito gerais, não se observa que tenha ficado registro nem
memória de tais acções, se é que as cometeram de facto, o que finalmente serve
para mostrar que Deus não se vai fiar de qualquer um, por muito boas que sejam
as recomendações. Quando voltarem a estar com Jesus, algo, sem dúvida, terão os
doze para contar-lhe acerca dos resultados da pregação de arrependimento que
andaram espalhando, mas muito pouco poderão referir no capítulo das curas,
salvo a expulsão de uns tantos demônios subalternos, desses que não precisam de
exorcismos particularmente imperiosos para saltarem de uma pessoa para outra. O
que, sim, dirão, é que algumas vezes foram eles expulsos ou mal recebidos em
caminhos que não eram de gentios e cidades que não eram de samaritanos, sem
terem outra consolação que sacudirem à saída o pó dos pés, como se a culpa
fosse duma pobre poeira que todos pisam e que de nenhum se queixa. Mas Jesus
tinha-lhes dito que era o que deviam fazer em tais casos, como testemunho
contra quem os não quisesse ouvir, deplorável, resignada resposta, em verdade,
pois do que tratava era da própria palavra de Deus deste modo rejeitada, posto
que o mesmo Jesus fora muito explícito, Não vos preocupeis com o que haveis de
falar, nessa altura ser-vos-á inspirado o que tiverdes de dizer. Ora talvez
que, afinal, as coisas não possam ser bem assim, talvez que, neste como em
outros casos, a solidez da doutrina, que está em cima, dependa do factor pessoal,
que está em baixo, a lição, se não é temerário adiantá-lo, parece boa,
aproveitemo-la.
Calhou estar o tempo como de rosas acabadas de
colher, fresco e perfumado como elas, e as estradas limpas e amenas como se
adiante andassem anjos salpicando de orvalho o caminho, para depois o varrerem
com vassouras de loureiro e murta. Jesus e Maria de Magdala viajaram
incógnitos, não pernoitando nunca nos caravançarais, evitando juntar-se às
caravanas, onde era maior o risco de encontrar ele quem o reconhecesse. Não era
que Jesus estivesse a descurar as suas obrigações, que não lho consentiria a
minuciosa vigilância de Deus, mas parecia que o mesmo Deus decidira
conceder-lhe uns dias feriados, pois à estrada não desciam leprosos a implorar
curas nem possessos a rejeitá-las, e as aldeias por onde passavam compraziam-se
bucolicamente na paz do Senhor, como se, por uma virtude sua própria, se
tivessem adiantado na via dos arrependimentos. Dormiam onde calhava, sem mais
preocupações de conforto que o regaço do outro, alguma vez tendo por único
tecto o firmamento, o imenso olho negro de Deus crivado daquelas luzes que são
o reflexo deixado pelos olhares dos homens que contemplaram o céu, geração após
geração, interrogando o silêncio e escutando a única resposta que o silêncio
dá. Mais tarde, quando estiver sozinha no mundo, Maria de Magdala quererá
recordar estes dias e estas noites, e de cada vez será obrigada a lutar muito
para defender a memória dos assaltos da dor e da amargura, como se estivesse a
proteger uma ilha de amores das investidas de um mar tormentoso e dos seus
monstros. Já esse tempo não está longe, mas, olhando a terra e o céu, não se
distinguem os sinais da aproximação, assim no espaço livre uma ave voa, e não
se apercebe do rápido falcão que, com as garras lançadas adiante, desce como
uma pedra. Jesus e Maria de Magdala cantam no caminho, os outros viajantes, que
os não conhecem, dizem, Gente feliz, e por enquanto não há outra verdade mais
verdadeira. Assim chegaram a Jericó e dali, com vagar, levando dois largos dias
na jornada, porque o calor era muito e as sombras nenhumas, subiram para
Betânia. Depois dos anos passados, não sabia Maria de Magdala como iriam
recebê-la os seus irmãos, de mais tendo ela saído de casa para viver uma má
vida, Talvez até pensem que morri, dizia, talvez mesmo desejem que eu tenha
morrido, e Jesus tentava afastar-lhe da cabeça as negras ideias, O tempo cura
tudo, sentenciava, e não se lembrava de que a ferida que, para ele, era a sua
própria família, continuava viva e aberta e todo o tempo sangrava. Entraram em
Betânia, Maria cobrindo meio rosto, por vergonha de que a reconhecessem os
vizinhos, e Jesus, suavemente, repreendia-a, De quem te escondes, não és mais a
mulher que viveu a outra vida, essa já não existe, Não sou quem fui, é verdade,
mas sou quem era, e aquela que sou e aquela que era ainda estão atadas uma à
outra pela vergonha daquela que fui, Agora és quem és, e estás comigo, Bendito
seja Deus por isso, ele que de mim te levará um dia, e Maria deixou cair o
manto, mostrando o rosto, porém ninguém disse, Ali vai a irmã de Lázaro, aquela
que foi viver de prostituta.
Esta é a casa, disse Maria de Magdala, mas não teve
ânimo para bater nem voz para anunciar-se. Jesus empurrou um pouco a cancela,
que era apenas encostada, e perguntou, Está alguém, lá de dentro uma mulher
disse, Quem chama, a sua própria resposta pareceu tê-la trazido até à porta, e
aí estava, Marta, a irmã de Maria, gêmeas, porém não iguais, porque sobre esta
fizera maior estrago a idade, ou o trabalho, ou o feitio e modo de ser. Deu
primeiro com os olhos em Jesus, e o seu rosto, com se dele se tivesse levantado
uma nuvem que o obscurecesse, tornou-se de súbito luminoso e claro, mas, logo
depois, vendo a irmã, duvidou, desenhou-se-lhe nas feições uma expressão de
descontentamento, Ele quem é, para estar com ela, podia ter assim pensado, ou
talvez, Como pode estar com ela, se é o que parece, mas Marta não saberia
dizer, se lho ordenassem, que era o que lhe parecia Jesus. E foi certamente por
isso que em vez de perguntar à irmã, Como estás, ou, Que vens cá fazer, as
palavras que disse foram, Quem é este homem que te acompanha. Jesus sorriu-se,
e o seu sorriso foi direito ao coração de Marta com a rapidez e o choque de um
disparo de flecha, e ali ficou a doer, a doer, como um estranho e desconhecido
gozo, Chamo-me Jesus de Nazaré, disse, e estou com tua irmã, palavras estas que
eram, mutatis mutandis, tal como saberiam dizer os romanos no seu latim,
equivalentes às que tinha gritado a seu irmão Tiago quando dele se separou na
borda do mar, Chama-se Maria de Magdala e está comigo. Marta abriu a porta toda
e disse, Entrem, estás na tua casa, mas não se soube em qual dos dois estava
pensando. Já no pátio, Maria de Magdala travou do braço da irmã, e disse-lhe,
Pertenço a esta casa como tu pertences, pertenço a este homem que não te
pertence a ti, estou em regra contigo e com ele, portanto não faças da tua
virtude pregão nem da minha imperfeição sentença, foi em paz que vim e em paz
quero ficar. Marta disse, Recebo-te como minha irmã pelo sangue, e espero que
possa chegar o dia em que te receba pelo amor, mas hoje não, ia prosseguir,
porém um pensamento deteve-a, é que não sabia se o homem que ali estava com a
irmã era conhecedor, ou não, da vida que ela levara, se não a levava ainda, e
então, neste ponto do raciocínio o rosto cobriu-se-lhe de rubor e confusão, por
um momento odiou-os aos dois e a si própria, enfim falou Jesus, para que Marta
ouvisse o que era mister, não é tão difícil assim adivinhar o que vai no
pensamento das pessoas, Deus julga-nos a todos e em cada dia nos julgará
diferentemente, segundo o que somos em cada dia, ora, se a ti, Marta, tivesse
Deus de julgar-te hoje, não creias que serias, aos seus olhos, diferente de
Maria, Explica-te melhor, não te entendo, E eu não te direi mais, guarda as
minhas palavras no teu coração e repete-as contigo mesma quando olhares a tua
irmã, Maria já não, Queres saber se já não sou puta, perguntou brutalmente
Maria de Magdala, cortando a reticência da irmã. Marta recuou, acenou com as
mãos diante do rosto, Não, não, não quero que mo digas, bastam-me as palavras
de Jesus, e, sem poder conter-se, começou a chorar. Maria foi-se para ela,
abraçou-a como se a embalasse, Marta dizia entre soluços, Que vida, que vida,
mas não se sabia se era da irmã que falava ou de si própria. Lázaro, onde está,
perguntou Maria, Na sinagoga, E de saúde, como tem passado, Continua a sofrer
daquelas suas antigas sufocações, fora isso, não passa mal. Deu-lhe vontade de
acrescentar, noutro sobressalto de amargura, que a preocupação se tinha
atrasado pelo caminho, pois, em todos estes anos de culpada ausência, a irmã
pródiga, pródiga de tempo e de corpo, pensou Marta com ironia despeitada, nunca
tivera a lembrança de mandar saber notícias da família, em particular de um
irmão cuja saúde débil a cada instante parecia ir romper-se de vez. Voltando-se
para Jesus, que afastado dois passos observava com atenção o mal disfarçado
conflito, Marta disse, O nosso irmão copia livros na sinagoga, não tem saúde
para mais, e o tom, embora a intenção não fosse certamente essa, era o de
alguém que nunca poderá compreender como é possível viver-se sem esta força
diligente, sem este contínuo trabalho, que em todo o santo dia não tenho um
momento de descanso. De que sofre Lázaro, perguntou Jesus, Dumas sufocações,
como se o coração se lhe fosse parar, depois torna-se pálido, pálido, parece
que vai ficar-se. Marta fez uma pausa e acrescentou, é mais novo do que nós,
disse-o sem pensar, talvez porque subitamente dera pela própria juventude de
Jesus, outra vez a confusão lhe entrou no espírito, um sentimento de ciúme
tocou-lhe o coração, e o resultado de tudo isto foram umas palavras que soaram
de modo estranho estando ali presente Maria de Magdala, que ela, sim, tinha o
dever e o direito de as pronunciar, Vens cansado, senta-te, e deixa-me que te
lave os pés. Um pouco mais tarde, Maria, achando-se sozinha com Jesus,
disse-lhe, meio a sério, meio a sorrir, Pelos vistos e ouvidos, estas irmãs
nasceram para enamorar-se de ti, e Jesus respondeu, O coração de Marta está
cheio da tristeza de não ter vivido, A tristeza dela não é essa, está triste
porque pensa que não há mais justiça no céu se a impura é a que recebe o
prêmio, e a virtuosa tem o corpo vazio, Deus terá para ela outras compensações,
Pode ser, mas Deus, que fez o mundo, não deveria privar de nenhum dos frutos da
sua obra as mulheres de que também foi autor, Conhecer homem, por exemplo, Sim,
como tu vieste a conhecer mulher, e mais não devias precisar, sendo, como és, o
filho de Deus, Quem contigo se deita não é o filho de Deus, mas o filho de
José, Na verdade, nunca, desde que vieste, senti que estivesse deitada com o
filho de um deus, De Deus, queres tu dizer, Quem me dera que o não fosses.
Por um rapazito, filho de vizinhos, Marta mandou
avisar o irmão de que tinha tornado Maria, mas não o fez sem ter hesitado
muito, pois assim ia abreviar a inevitável e saborosa notícia de que a
prostituta irmã de Lázaro regressara a casa, com o que a família voltava a cair
nas bocas do mundo depois de o tempo, mais ou menos, as ter feito calar. A si
mesma perguntava com que cara iria sair no dia seguinte à rua, e, pior ainda,
se teria coragem para levar consigo a irmã, estando obrigada a falar a vizinhas
e amigas, dizer, é um exemplo, Lembras-te da minha irmã Maria, pois aqui está
ela, tornou a casa, e a outra, com ar entendido, Lembro-me, lembro-me, quem é
que não se lembra, que estas minúcias prosaicas não escandalizem quem com elas
tenha de perder o seu tempo, a história de Deus não é toda divina. Censurou-se
Marta dos seus mesquinhos pensamentos quando Lázaro, chegando, se abraçou a
Maria e lhe disse com simplicidade, Bem-vinda sejas, minha irmã, como se não
lhe estivessem doendo tantos anos de ausência e de calado desgosto, e porque
algum sinal de alegre disposição agora lhe competia dar, apontou Marta a Jesus
e disse para o irmão, Este é Jesus, nosso cunhado. Os dois homens olharam-se
com simpatia, e logo se sentaram a conversar, enquanto as mulheres, repetindo
gestos e movimentos que haviam sido comuns noutro tempo, começaram a preparar a
refeição. Ora, depois de terem ceado, Lázaro e Jesus saíram ao pátio para
tomarem o fresco da noite, dentro de casa ficaram as irmãs a resolver a
importante questão de como deveriam ser instaladas as esteiras, tendo em conta
a alteração ocorrida na composição da família, e, ao cabo de um silêncio,
Jesus, olhando as primeiras estrelas que surgiam no céu ainda claro, perguntou,
Sofres, Lázaro, e Lázaro respondeu, numa voz estranhamente tranquila, Sim, sofro,
Deixarás de sofrer, disse Jesus, Decerto, quando estiver morto, Deixarás de
sofrer agora, Não me tinhas dito que és médico, Irmão, se eu fosse médico não
saberia como curar-te, Nem podes curar-me, mesmo não o sendo, Estás curado,
murmurou Jesus docemente, tomando-lhe a mão. No mesmo instante Lázaro sentiu
que o mal lhe fugia do corpo como uma água escura devorada pelo sol, que se lhe
alargava o fôlego e rejuvenescia o coração, e, porque não podia compreender o
que se passava, teve medo na sua alma, Que é isto, perguntou, e a voz
enrouquecia-lhe de angústia, Quem és tu, Médico, não sou, sorriu Jesus, Em nome
de Deus, diz-me quem és, Não invocas o nome de Deus em vão, Que devo entender,
Chama Maria, ela to dirá. Não foi preciso, atraídas pelo repentino altear das
vozes, Marta e Maria apareceram à porta, andariam os dois homens altercando,
mas logo viram que não, o pátio estava todo ele azul, o ar, queremos dizer, e
Lázaro, trémulo, apontava para Jesus, Quem é este, perguntava, que com ter-me
tocado a sua mão e dizer-me Estás curado me curou. Marta veio para o irmão com
o propósito de sossegá-lo, como era possível estar ele curado se daquela
maneira tremia, mas Lázaro afastou-a, disse, Fala tu, Maria, que o trouxeste,
quem é ele. Sem se mover do limiar da porta onde se deixara ficar, Maria de
Magdala disse simplesmente, É Jesus de Nazaré, filho de Deus. Ora, mesmo sendo
estes lugares, e, neles, o tempo desde o princípio do mundo, tão regularmente
favorecidos de revelações proféticas e anúncios apocalípticos, o mais natural
da vida seria terem manifestado Lázaro e Marta uma peremptória incredulidade,
porque uma coisa é reconhecer-se alguém de súbito curado por óbvio efeito de
milagre, e outra é virem-te dizer que o homem que te tocou na mão e te libertou
do mal é o próprio filho de Deus. Porém, a fé e o amor podem muito, há até quem
afirme que não precisam andar juntos para poderem tudo, e o caso foi que Marta
se lançou, a chorar, nos braços de Jesus, depois, assustada pela ousadia,
escorregou para o chão, onde ficou, e só sabia murmurar, com o rosto
transfigurado, Lavei-te os pés, lavei-te os pés. Lázaro não se tinha mexido, o
assombro paralisara-o, podemos mesmo supor que se a subitânea revelação o não
fulminou foi porque um acto oportuno de amor, no minuto antes, lhe pusera um
coração novo no lugar do coração velho. Sorrindo, Jesus foi abraçá-lo e
dizer-lhe, Que não te surpreenda ver que o filho de Deus é um filho de homem,
em verdade, Deus não tinha mais por onde escolher, como os homens que escolhem
as suas mulheres e as mulheres que escolhem os seus homens. As últimas palavras
eram destinadas a Maria de Magdala, que as tomaria pelo bom lado, mas não se
lembrou Jesus de que elas só iriam servir para aumentar o sofrimento de Marta e
o desespero da sua solidão, é a diferença que há entre Deus e um filho seu,
Deus fá-lo-ia de propósito, fê-lo o filho apenas por humaníssima inabilidade.
Enfim, a alegria, hoje, é grande nesta casa, amanhã tornará Marta a sofrer e a
suspirar, mas um alívio pode ela já ter por certo, é que ninguém terá o
atrevimento de arrastar pelas ruas, praças e mercados de Betânia a vida
dissoluta da irmã quando se vier a saber, e a própria Marta disso se ocupará,
que o homem que com ela veio curou Lázaro do seu mal sem poção nem tisana.
Estavam em casa, recolhidos e desfrutando a hora, e Lázaro disse, De longe em
longe, têm chegado notícias de que um homem de Galileia andava a fazer
milagres, mas não que fosse filho de Deus, Umas notícias andam mais depressa do
que outras, disse Jesus, És tu esse homem, Tu o disseste. Então Jesus contou a
sua vida desde o princípio, mas não toda ela, de Pastor nada, de Deus disse
somente que lhe aparecera para dizer-lhe, És meu filho. Se não fosse aquela
primeira notícia de uns longínquos milagres, tornados verdades puras pela
palpável evidência deste, se não fosse o poder da fé, se não fosse o amor e os
seus poderes, decerto haveria de ser muito difícil a Jesus, apenas com uma
frase lacônica, se bem que posta na boca do próprio Deus, convencer Lázaro e
Marta de que o homem que daí a pouco se iria deitar com a irmã deles era feito
de espírito divino, se com a sua humana carne se aproximara dela, que a tantos
homens conhecera sem temer a Deus. Perdoemos a Marta o orgulho que a levou a
dizer, baixinho, com a cabeça tapada pelo lençol para não ver nem ouvir, Eu
seria mais digna.
Na manhã seguinte, a notícia correu velocíssima,
tudo em Betânia foi um louvar e dar graças ao Senhor, e mesmo os que, modestos,
começaram por duvidar do caso, considerando ser a terra demasiado pequena para
nela poderem acontecer grandes coisas, esses não tiveram mais remédio que
render-se, à vista do miraculado Lázaro, de quem nunca deverá dizer-se que
passara a vender saúde, porque era de tão amorável coração que toda a daria, se
pudesse. Já à porta da casa se juntavam curiosos que queriam ver, com os seus
próprios, e portanto não mentirosos olhos, o autor do feito celebrado, e,
podendo ser, para final e definitiva certeza, pôr-lhe a mão em cima. Também,
uns por seu pé, outros trazidos de charola, ou às costas de parentes, vieram os
doentinhos à cura, em ponto de não se poder romper na estreita rua onde moravam
Lázaro e suas irmãs. Sabedor que foi do adjunto, mandou Jesus avisar que
falaria a todos na praça maior da aldeia, e que fossem andando para lá, que já
se lhes juntaria. Ora, quem tem um pássaro na mão, não será tão tolo que o vá
deitar a voar, antes lhe faz com os dedos mais segura gaiola. Por causa desta
prudência ou desconfiança, ninguém dali arredou, e Jesus teve de mostrar-se e
sair como qualquer um, igualzinho a nós aparecendo no vão duma porta, sem
música nem resplendor, sem que a terra tremesse ou os céus se movessem de um
lado a outro, Aqui estou, disse, fazendo por falar em tom natural, mas, supondo
que o conseguiu, eram daquelas palavras, por si sós, vindas de quem vinham,
capazes de fazer pôr os joelhos no chão a uma aldeia inteira, clamando piedade,
Salva-nos, gritavam estes, Cura-me, imploravam aqueles. Jesus curou a um que,
por ser mudo, nada podia pedir, e aos outros mandou-os para as suas casas
porque não tinham fé bastante, e que voltassem noutro dia, mas que, primeiro
que tudo, era preciso que se arrependessem dos pecados, pois o reino de Deus
estava perto e o tempo a ponto de completar-se, doutrina já conhecida. És tu o
filho de Deus, perguntaram-lhe, e Jesus respondeu do modo enigmático a que
acostumara quem o ouvia, Se eu não o fosse, mais depressa te faria Deus mudo,
que consentir que mo perguntasses.
Com estes assinalados actos principiou a estação de
Jesus em Betânia, enquanto não chegava o dia do encontro combinado com os
discípulos que por distantes paragens andavam. Claro que não tardou que
começasse a vir gente das cidades e aldeias em redor, conhecida que foi lá a
notícia de que o homem que fazia milagres no norte estava agora em Betânia. Não
precisaria Jesus de sair da casa de Lázaro porque todos acorriam a ela como a
um lugar de peregrinação, porém Jesus não os recebia, mandava-os que se
reunissem num certo monte fora da aldeia e ali lhes ia pregar o arrependimento
e fazer algumas curas. Tanto se falou e disse, que as vozes chegaram a
Jerusalém, fazendo com que se engrossassem as multidões e Jesus se interrogasse
sobre se deveria ali continuar, com risco dos motins que sempre se geram nos
ajuntamentos excessivos. De Jerusalém viera, primeiramente, ao rumor duma
esperança de salvação e cura, o miúdo povo, mas não demorou que começasse a
aparecer também gente das classes que por cima estão, e mesmo uns quantos
fariseus e escribas que se tinham recusado a acreditar que alguém, em seu
juízo, tivesse o atrevimento, por assim dizer suicida, de chamar-se, com todas
as letras, Filho de Deus. Regressavam a Jerusalém irritados e perplexos porque
Jesus nunca respondia afirmativamente quando lho perguntavam, e todo o seu
falar, no que toca a filiações, era denominar-se a si mesmo Filho do Homem, e
se, falando de Deus, lhe acontecia dizer Pai, entendia-se que o era de todos, e
não apenas seu. Restava então, como questão dificilmente polêmica, o poder
curativo de que dava sucessivas provas, exercido sem artificiosos passes de
mágica, do modo mais simples, uma ou duas palavras, Caminha, Levanta-te, Diz,
Vê, Sê limpo, um subtil toque da mão, nada mais que o roce suave da ponta dos
dedos, acto contínuo a pele dos leprosos brilhava como o orvalho ao dar-lhe a
primeira luz do sol, os mudos e os gagos embriagavam-se no fluxo torrencial da
palavra libertada, os paralíticos saltavam do catre e dançavam até se lhes
esgotarem as forças, os cegos não acreditavam no que os seus olhos podiam ver,
os coxos corriam e corriam, e depois, de pura alegria, fingiam-se de coxos para
tornarem a correr outra vez, Arrependei-vos, dizia-lhes Jesus, arrependei-vos,
e não lhes pedia mais nada. Mas os sacerdotes superiores do Templo, sabedores,
mais do que ninguém, das confusões e outras perturbações históricas a que
tinham dado azo, no seu tempo, profetas e anunciadores de vária índole,
decidiram, depois de pesadas e medidas todas as palavras ouvidas a Jesus, que
neste tempo não se veriam convulsões religiosas, sociais e políticas como as do
passado, e que de hoje em diante estariam com atenção a tudo o que o galileu
fosse fazendo e dizendo, para que, em caso de necessidade, e tudo indica que lá
havemos de chegar, seja cortado e arrancado pela raiz o mal que já se anuncia,
porque, dizia o sumo sacerdote, A mim não me engana ele, o filho do Homem é o
filho de Deus. Jesus não fora semear grãos a Jerusalém, mas em Betânia talhava,
forjava e dava fio à foice com que lá o haverão de ceifar.
Nesta festa estávamos quando, dois agora, dois
amanhã, aos pares de cada vez, ou quatro que se tinham encontrado no caminho,
começaram a chegar a Betânia os discípulos. Diferindo apenas, uns e outros, em
pormenores e circunstâncias de somenos, traziam todos a mesma notícia, e era
que do deserto havia saído um homem que profetizava ao jeito antigo, como se
rolasse pedras com a voz e movesse montanhas com os braços, anunciando castigos
ao povo e a vinda iminente do Messias. Não o tinham chegado a ver porque ele ia
constantemente de um lado para outro, pelo que as informações que traziam, embora
no geral coincidentes, eram todas de segunda mão, e, diziam, se não o foram procurar
foi só porque se estava cumprindo o prazo combinado de três meses e não queriam
faltar ao encontro. Perguntou então Jesus se sabiam como se chamava o profeta e
eles responderam que João, ora este era o nome do homem que devia vir para o
ajudar, consoante Deus lhe anunciara à despedida. Já chegou, disse Jesus, e os
amigos não compreenderam o que ele pretendia significar com tais palavras, só
Maria de Magdala, mas essa sabia tudo. Jesus queria ir já à procura de João,
que decerto o estaria buscando a ele, mas dos doze faltavam ainda Tomé e Judas
de Iscariote, e como podia suceder que eles trouxessem notícias mais directas e
completas, enfadava-o a tardança. Valeu a pena, porém, a espera, os
retardatários tinham visto João e falado com ele. Vieram os outros das tendas onde
estanciavam, fora de Betânia, para ouvirem o relato de Tomé e Judas de
Iscariote, sentados todos em círculo no pátio da casa de Lázaro, e Marta e
Maria, e as outras mulheres, por ali, servindo-os. Então falaram alternadamente
Judas de Iscariote e Tomé, e disseram isto, que João estava no deserto quando a
palavra de Deus lhe foi dirigida, posto o que se foi dali para as margens do
Jordão a pregar um baptismo de penitência para remissão dos pecados, mas indo
as multidões a ele para se fazerem baptizar, recebeu-as com estes brados, que
os ouvimos nós e deles nos assombramos, Raça de víboras, quem vos ensinou a
fugir da cólera que está para chegar, deveis é produzir frutos de arrependimento
sincero e não vos iludirdes a vós mesmos dizendo que tendes por pai a Abraão,
pois eu vos digo que Deus pode, destas brutas pedras, suscitar novas vergônteas
a Abraão, deixando-vos a vós desprezados, vede que já o machado se encontra à
raiz das árvores, e por isso toda aquela que não der bom fruto será cortada e
lançada ao fogo, ora as multidões, cheias de temor, perguntaram-lhe, Que
devemos fazer, e João respondeu-lhes, Quem tem duas túnicas reparta com quem
não tem nenhuma, e quem mantimentos tiver faça o mesmo, e aos publicanos que
cobram os impostos disse-lhes, Não exijais nada que não estiver estabelecido na
lei, mas não creiais que a lei é justa só porque lhe chamais lei, e aos
soldados que lhe perguntaram, E nós, que devemos fazer, respondeu-lhes, Não
exerçais violência sobre ninguém, não denuncieis injustamente e contentai-vos
com o vosso soldo.Calou-se neste ponto Tomé, que era o que tinha começado, e
Judas de Iscariote, pegando-lhe na palavra, prosseguiu, Perguntaram-lhe então
se ele era o Messias, e ele respondeu, Eu baptizo-vos em água para vos mover ao
arrependimento, mas vai chegar quem é mais poderoso do que eu, alguém cujas
correias das sandálias não sou digno de desatar, que vos baptizará no Espírito
Santo e no fogo, que tem na sua mão a pá de joeirar para limpar a sua eira e
recolher o trigo no seu celeiro, mas queimará a palha num fogo inextinguível.
Não disse mais Judas de Iscariote e todos esperaram que Jesus falasse, mas
Jesus, com um dedo, fazia riscos enigmáticos no chão e parecia esperar que
algum dos outros falasse. Então disse Pedro, És tu o Messias que João veio
anunciar, e Jesus, sem deixar de riscar a poeira, Tu é que o dizes, não eu, que
a mim Deus disse-me apenas que era seu filho, fez uma pausa, e concluiu, Vou
procurar João, Vamos contigo, disse o que também se chamava João, filho de
Zebedeu, mas Jesus abanou lentamente a cabeça, Irei só, só com Tomé e Judas de
Iscariote, porque o conhecem, e para Judas, Como é ele, Mais alto do que tu e
muito mais forte, usa uma grande barba que parece feita de espinhos, anda
entrajado com umas toscas peles de camelo que aperta com uma tira de couro à
volta da cintura e lá no deserto dizem alimentava-se de gafanhotos e mel
silvestre, Parece bem mais o Messias do que eu, disse Jesus, e levantou-se da
roda.
Partiram logo na manhã seguinte os três, e, sabido
que João nunca se demorava muitos dias num mesmo lugar, mas que o mais
provável, em todos os casos, seria encontrá-lo baptizando nas margens do
Jordão, desceram dos altos de Betânia para o sítio de Betabara, que está à
beira do Mar Morto, com a ideia de irem depois subindo o rio, sempre, até ao
Mar da Galileia, e mais para o setentrião ainda, até à nascente, se preciso
fosse. Mas, quando de Betânia saíram nunca poderiam ter imaginado que a jornada
seria tão breve, pois foi ali mesmo, em Betabara, que, sozinho, como se
estivesse à espera, encontraram João. Viram-no de longe, minúscula figura de um
homem sentado à beira do rio, cercado por montes lívidos que eram como caveiras
e vales que pareciam cicatrizes ainda doridas, e, estendendo-se para a direita,
a brilhar sinistramente debaixo do sol e do céu branco, a superfície terrível
do Mar Morto, como de estanho fundido. Quando se aproximaram à distância de um
tiro de funda, Jesus perguntou aos companheiros, É ele, os dois olharam com
atenção, protegendo a vista com a mão em pala sobre as sobrancelhas, e
responderam, Seria o seu gêmeo, se não fosse, Esperai aqui até que eu volte,
disse Jesus, não vos acerqueis, aconteça o que acontecer, e, sem mais palavra,
começou a descer para o rio. Tomé e Judas de Iscariote sentaram-se no chão
requeimado, viram Jesus afastar-se, aparecendo e desaparecendo consoante os
acidentes do terreno, e depois, já no rebaixo da margem, caminhar para onde
estava João, que em todo este tempo não se movera. Prouvera que não nos
tenhamos enganado, disse Tomé, Devíamos ter ido mais perto, disse Judas de
Iscariote, mas Jesus teve logo a certeza quando o viu, perguntou por perguntar.
Lá em baixo, João erguera-se e olhava para Jesus, que se aproximava. Que irão
dizer um ao outro, perguntou Judas de Iscariote, Talvez Jesus no-lo diga,
talvez se cale, disse Tomé. Agora os dois homens, tão longe, estavam frente a
frente e falavam com animação, podia se
perceber pelos gestos, pelos movimentos que faziam com os cajados,
passado tempo desceram para a água, daqui não é possível vê-los porque o relevo
da margem os tem escondido, porém Judas e Tomé sabiam o que estava a passar-se
além porque também eles se tinham feito baptizar por João, os dois entrando na
corrente até ao meio do corpo e João colhendo a água com as duas mãos em
concha, levantando-a depois ao céu e deixando-a escorrer sobre a cabeça de
Jesus, enquanto dizia, Baptizado estás com água, seja ela a alimentar o teu
fogo. Já o fez, já o disse, já sobem do rio João e Jesus, tomaram do chão os
cajados, sem dúvida estão dizendo um ao outro uma palavra de despedida,
disseram-na e abraçaram-se, depois João começa a caminhar ao longo da margem,
para o norte, e Jesus está vindo para o nosso lado. Tomé e Judas de Iscariote
esperaram-no de pé, ele chega, e, outra vez sem dizer-lhes uma palavra, passa e
segue adiante, a caminho de Betânia. Vão atrás dele, com não pequeno despeito,
os discípulos, roídos de curiosidade insatisfeita, e, num dado momento, Tomé
não pôde conter-se mais e, descuidando do gesto que Judas ainda fez para
retê-lo, perguntou, Não queres falar-nos do que te disse João, Ainda não é a
hora, respondeu Jesus, Disse-te ao menos que és o Messias, Ainda não é a hora,
repetiu Jesus, e os discípulos ficaram sem perceber se ele apenas repetia o que
antes tinha dito, ou os estava informando de que a hora de vir o Messias ainda
não chegara. Para esta hipótese se inclinou Judas de Iscariote quando,
desanimados, se deixaram ficar para trás, enquanto Tomé, céptico por decidida e
renitente inclinação do espírito, opinava que se tratara de uma mera repetição,
ainda por cima impaciente, acrescentou.
Do que foi só Maria de Magdala teve conhecimento
nessa noite, e ninguém mais, Não se falou muito, disse Jesus, mal tínhamos
acabado de saudar-nos, ele quis saber se eu era aquele que há-de vir, ou se
devíamos esperar outro, E tu, que lhe respondeste, Disse-lhe que os cegos veem
e os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, e a boa nova é
anunciada aos pobres, E ele, Não é preciso que o Messias faça tanto, desde que
faça o que deve, Foi o que ele disse, Sim, foram as suas palavras exactas, E
que deve fazer o Messias, Isso lhe perguntei, E ele, Respondeu-me que eu teria
de o descobrir por mim, E depois, Mais nada, levou-me para o rio, baptizou-me e
foi-se embora, Que palavras foram as que te disse para baptizar-te, Baptizado
estás com água, seja ela a alimentar o teu fogo. Depois desta conversação com
Maria de Magdala, Jesus não falou mais por espaço de uma semana. Saiu da casa
de Lázaro e foi viver para fora de Betânia, onde os discípulos estavam, mas
recolheu-se em uma tenda apartada das outras, ficava dentro dela todo o dia,
sozinho, pois nem mesmo Maria de Magdala podia lá entrar, e saía à noite para
ir para os montes desertos. Seguiram-no algumas vezes os discípulos
escondidamente, dando a si mesmos a desculpa de quererem protegê-lo de um
ataque das bestas selvagens, de que em verdade não havia por ali notícia, e o
que viram foi que ele procurava uma clareira desafogada e ali se sentava,
olhando, não o céu, mas na sua frente, como se, da sombra inquietante dos vales
ou assomando na aresta duma colina, esperasse ver surgir alguém. Era tempo de
lua, quem viesse poderia ser visto de longe, mas nunca apareceu ninguém. Quando
a madrugada pisava o primeiro limiar da luz, Jesus retirava-se e regressava ao
acampamento. Comia só uma pequena parte do alimento que João e Judas de
Iscariote, ora um, ora outro, lhe levavam, mas não respondia às saudações
deles, e uma vez aconteceu mesmo ter despedido rudemente Pedro, que apenas
queria saber como ele estava e receber ordens. Não errara de todo Pedro no
passo que dera, deu-o cedo de mais, foi o que foi, porque ao cabo dos oito dias saiu Jesus da tenda em
pleno dia, foi juntar-se aos discípulos e comeu com eles, e, tendo terminado,
disse, Amanhã subiremos a Jerusalém, ao Templo, lá fareis o que eu fizer, que é
tempo de saber o Filho de Deus para que está a servir a casa do seu Pai e de
começar o Messias a fazer o que deve. Perguntaram-lhe os discípulos que coisas
eram essas de que falava, mas Jesus não lhes disse mais do que, Não precisareis
de viver muito para o saberdes. Ora, os discípulos não estavam acostumados a
que ele lhes falasse neste tom nem a vê-lo com aquela expressão de dureza na
cara, que nem parecia o mesmo Jesus que conheciam, doce e sossegado, a quem
Deus levava por onde queria e mal sabia queixar-se. Não podia haver dúvidas de
que a mudança tinha a sua causa nas razões, por ora desconhecidas, que o haviam
levado a separar-se da comunidade dos amigos e a andar, como se estivesse
possesso dos demônios da noite, por esses cabeços e ravinas à procura duma
palavra, que sempre é o que se busca. Considerou, porém, Pedro, como mais velho
de quantos ali estavam, que não era justo que, sem mais explicações, tivesse
Jesus ordenado, Vamos subir a Jerusalém, como se eles não fossem mais do que
uns paus mandados, bons para levar e trazer, mas não para conhecer os motivos
de ter ido e ter voltado. E então disse, Sempre reconhecemos o teu poder e a
tua autoridade e com eles nos conformamos, tanto pelo que dizes como pelo que
tens feito, tanto por seres filho de Deus como pelo homem que também és, mas
não está certo que lides connosco como se fôssemos meninos sem tino ou velhos
caducos, não nos comunicando o teu pensamento, apenas que deveremos fazer o que
tu fizeres, sem que o juízo que temos seja chamado a julgar o que pretendes de
nós, Perdoai-me todos, disse Jesus, mas nem eu próprio sei o que me leva a
Jerusalém, só me foi dito que devo ir, nada mais, mas vós não estais obrigados
a acompanhar-me, Quem foi que te disse que deves ir a Jerusalém, Alguém que
entrou na minha cabeça para decidir do que terei de fazer e não fazer, Mudaste
muito desde que te encontraste com João, Compreendi que não basta trazer a paz,
mas que é preciso trazer também a espada, Se o reino de Deus está perto, a que
vem a espada, perguntou André, Deus não me disse por que caminho chegará a vós
o seu reino, temos provado a paz, provemos agora a espada, e Deus fará a sua
escolha, mas, torno a dizer, não estais obrigados a acompanhar-me, Bem sabes
que iremos contigo para onde quer que fores, disse João, e Jesus respondeu, Não
jureis, sabê-lo-eis os que lá tiverdes chegado.
Na manhã seguinte, tendo Jesus ido a casa de Lázaro,
não tanto para despedir-se, mas para dar sinal benévolo de que regressara à
convivência de todos, foi-lhe dito por Marta que o irmão já tinha saído para a
sinagoga. Então Jesus e os seus tomaram a estrada de Jerusalém, e Maria de
Magdala e as outras mulheres foram com eles até às últimas casas de Betânia,
onde ficaram acenando adeuses, a elas bastava-lhes fazerem-no, que os homens
nem uma só vez se voltaram para trás. O céu está nublado, ameaçando chuva,
talvez seja por isso que há pouca gente no caminho, os que não têm motivos de
força maior para irem a Jerusalém deixaram-se ficar por casa, à espera do que
os astros decidam. Avançam, pois, os treze por uma estrada muitas vezes
deserta, enquanto as nuvens grossas e cinzentas rolam sobre as alturas dos
montes como se, enfim, e para sempre, fossem ajustar-se o céu e a terra, o
molde e o moldado, o macho e a fêmea, o côncavo e o convexo. Porém, chegados às
portas da cidade, logo se viu que maiores diferenças de variedade e número na
multidão não as havia, e que, como de costume, iam ser precisos muito tempo e
muita paciência para abrir caminho e chegar ao Templo. Não foi assim, contudo.
O aspecto dos treze homens, quase todos descalços, com os seus grandes cajados,
as barbas soltas, os pesados e escuros mantos sobre túnicas que parecia terem
visto o princípio do mundo, fazia afastar a gente amedrontada, perguntando uns
aos outros, Quem são estes, quem é o que vai à frente, e não sabiam responder,
até que um que tinha descido da Galileia disse, É Jesus de Nazaré, o que diz
ser filho de Deus e faz milagres, E aonde vão, perguntava-se, e como a única
maneira de o saberem era seguirem-nos, foram muitos atrás deles, de modo que ao
chegarem à entrada do Templo, da parte de fora, não eram treze, mas mil, mas
estes ficaram-se por ali, à espera de que os outros lhes satisfizessem a
curiosidade. Foi Jesus para o lado onde estavam os cambistas e disse aos discípulos,
Eis o que viemos fazer, acto contínuo começou a derrubar as mesas, empurrando e
batendo a eito nos que compravam e vendiam, com o que se levantou ali um
tumulto tal que não teria deixado ouvir as palavras que proferia se não se
desse o estranho caso de soar a sua voz natural como um estentor de bronze,
assim, Desta casa que deveria ser de oração para todos os povos, fizestes vós
um covil de ladrões, e continuava a deitar as mesas abaixo, fazendo espalhar e
saltar as moedas, com enorme gáudio de uns quantos dos mil que correram a
colher aquele maná. Andavam os discípulos no mesmo trabalho, e por fim já os
bancos dos vendedores de pombas eram também atirados ao chão, e as pombas
livres, voavam por sobre o Templo, rodopiando doidas, além, em redor do fumo do
altar, onde não iriam ser queimadas porque havia chegado o seu salvador. Vieram
os guardas do Templo, armados de bastões, para castigar e prender ou lançar
fora os desordeiros, mas, para seu mal, encontraram-se com treze rudes galileus
que, de cajado nas mãos, varriam quem ousava fazer-lhes frente e gritavam,
Venham mais, venham todos, que Deus para todos chegará, e carregavam sobre os
guardas, e destroçavam as bancas, de súbito apareceu um archote aceso, em pouco
tempo tinham pegado fogo os toldos, uma outra coluna de fumo se erguia no ar,
alguém gritou, Chamem os soldados romanos, mas ninguém fez caso, acontecesse o
que tivesse de acontecer, os romanos, era da lei, não entrariam no Templo.
Acudiram mais guardas, estes de espada e lança, aos quais foram juntar-se um
que outro cambista e vendedor de pombas, resolvidos a não deixarem só em mãos
alheias a defesa dos seus interesses, e a sorte das armas, aos poucos, começou
a virar, que se esta luta, como nas cruzadas, a queria Deus, não parecia que
pusesse nela o mesmo Deus empenho bastante para que a vencessem os seus. Nisto
estávamos, quando no alto da escadaria apareceu o sumo sacerdote, acompanhado
dos seus pares e dos anciãos e escribas que fora possível chamar à pressa, e
deu uma voz que em nada ficou a dever àquela de Jesus, disse ele, Deixai-o ir
desta vez, que, se voltar cá, então o cortaremos e lançaremos fora, como ao
joio quando está em excesso na seara e ameaça afogar o trigo. Disse André para
Jesus, que a seu lado brigava, Bem é que digas que vieste trazer a espada e não
a paz, agora já sabemos que cajados não são espadas, e Jesus disse, No braço
que brande o cajado e maneja a espada é que se vê a diferença, Que fazemos
então, perguntou André, Tornemos a Betânia, respondeu Jesus, não é a espada que
ainda nos falta, mas o braço. Recuaram em boa ordem, com os cajados apontados
aos apupos e escárnios da multidão, que a mais bravos cometimentos não se
atrevia, e em pouco tempo puderam sair de Jerusalém, posto o que, cansados
todos, maltratados alguns, tomaram o caminho de regresso.
Quando entraram em Betânia, notaram que os vizinhos
que apareciam às portas os olhavam com expressões de piedade e desgosto, mas
aceitaram-nas como coisa natural, visto o lastimoso estado em que voltavam da
peleja. Pronto, porém, se desenganaram dos motivos, foi entrar na rua onde
Lázaro morava e logo perceberam que sucedera uma desgraça. Jesus correu à
frente de todos, entrou no pátio, pessoas de ar compungido abriram-lhe caminho
para que ele passasse, ouviam-se dentro os choros e as lamentações, Ai, meu
querido irmão, esta era a voz de Marta, Ai, meu querido irmão, esta a de Maria.
Deitado no chão, sobre uma esteira, viu Lázaro, tranquilo como se dormisse, o
corpo e as mãos compostas, mas não dormia, não, estava morto, durante quase
toda a sua vida o seu coração ameaçara deixá-lo, depois curara-se, que assim o
podia testemunhar Betânia inteira, e agora estava morto, por enquanto sereno
como se fosse de mármore, intacto como se tivesse entrado na eternidade, mas
não tardará que do interior da sua morte suba à superfície o primeiro sinal de
podridão para tornar mais insuportável a angústia e o pavor destes vivos.
Jesus, como se lhe tivessem cortado de um traço os tendões dos jarretes, caiu
de joelhos, e gemeu, chorando, Como foi que aconteceu, como foi que aconteceu,
é uma ideia que sempre nos acode diante do que já não tem remédio, perguntar
aos outros como foi, desesperada e inútil maneira de distrair o momento em que
iremos ter de aceitar a verdade, é isso, queremos saber como foi, e é como se
pudéssemos ainda pôr no lugar da morte, a vida, no lugar do que foi, o que
poderia ter sido. Do fundo do seu desfeito e amargo choro, Marta disse a Jesus,
Se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido, mas eu sei que tudo quanto
pedires a Deus, ele to concederá, como te tem concedido a vista dos cegos, a
limpeza dos leprosos, a voz dos mudos, e todos os mais prodígios que moram na
tua vontade e esperam a tua palavra. Jesus disse-lhe, Teu irmão há-de
ressuscitar, e Marta respondeu, Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição do
último dia. Jesus levantou-se, sentiu que uma força infinita arrebatava o seu
espírito, podia, nesta suprema hora, obrar tudo, cometer tudo, expulsar a morte
deste corpo, fazer regressar a ele a existência plena e o ente pleno, a
palavra, o gesto, o riso, a lágrima também, mas não de dor, podia dizer, Eu sou
a ressurreição e a vida, quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá, e
perguntaria a Marta, Crês tu nisto, e ela responderia, Sim, creio que és o filho
de Deus que havia de vir ao mundo, ora, assim sendo, estando dispostas e
ordenadas todas as coisas necessárias, a força e o poder, e a vontade de os
usar, só falta que Jesus, olhando o corpo abandonado pela alma, estenda para
ele os braços como o caminho por onde ela há de regressar, e diga, Lázaro,
levanta-te, e Lázaro levantar-se-á porque Deus o quis, mas é neste instante, em
verdade último e derradeiro, que Maria de Magdala põe uma mão no ombro de Jesus
e diz, Ninguém na vida teve tantos pecados que mereça morrer duas vezes, então
Jesus deixou cair os braços e saiu para chorar.
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