Dá-me tua mão: vou
agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e
secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo. Entre duas notas de música existe outra nota,
entre dois fatos existe outro fato, existe um sentir que é o próprio sentir –
nos interstícios da matéria primordial está a respiração do mundo, que é aquilo
que ouvimos e chamamos de silêncio.
Por enquanto
preciso segurar esta sua mão imaginária, mesmo que eu não consiga inventar teu
rosto e teus olhos e tua boca. Mas, embora decepada, esta mão não me assusta. A
invenção dela vem de tal ideia de amor como se a mão estivesse realmente ligada
a um corpo que, se não vejo, é por incapacidade de amar mais. Não estou à
altura de imaginar uma pessoa inteira porque não sou uma pessoa inteira. E como
imaginar um rosto se não sei de que expressão eu preciso?
Dá-me tua mão
desconhecida, que a vida está me doendo, e não sei como falar – a realidade é
delicada demais. Segura minha mão, porque sinto que estou indo. Estou indo para
a mais primária vida divina, estou indo para um inferno de vida crua. Não me
deixes, porque estou perto de ver o núcleo da vida.
Estou tentando te
dizer como cheguei ao neutro e ao inexpressivo de mim. Não sei se estou
entendendo o que falo, estou sentindo – e sentir é um dos estilos de ser. Eu
estou sendo levado pelo demoníaco.
Agora, por piedade
da mão anônima que prendo à minha, por piedade pelo que essa mão não vai
compreender, eu não estou querendo levá-la comigo para o horror infernal para
onde fui sozinho.
Segura minha mão,
pois cheguei ao irredutível com a fatalidade de ser. Não retires de mim a tua
mão, eu prometo que até o fim desta vida eu entenda e consiga encontrar-te. Não
me abandones, juro que também eu não queria: eu também vivia bem, eu era uma
pessoa simples e viva: sim. Espera por mim: vou te tirar do inferno a que
desci.
Sei que é ruim
segurar a minha mão. É ruim ficar sem ar nesta mina desabada onde eu te trouxe
sem piedade por ti, mas por piedade por mim. Mas juro que te tirarei com vida
daqui. Eu te salvarei deste horror onde, por enquanto, eu te preciso. Deste-me
inconscientemente a mão, e porque a segurava é que tive a coragem de me
afundar. Mas não procures entender-me, faze-me apenas companhia.
Como compensar-te?
Usa-me ao menos, usa-me como túnel escuro – e quando atravessares minha
escuridão te encontrarás do outro lado contigo. Não te encontrará comigo, mas
contigo. Pelo menos agora não estás em solidão como antes eu estive, e eu
apenas rezava para poder continuar vivo e ter esta tua mão.
Dá-me tua mão.
Porque não sei mais do que estou falando. Acho que inventei tudo, nada existiu.
Mas se inventei o meu presente – quem me garante que também não inventei toda a
minha vida anterior ao agora?
Ah, eu juro que
lhe pouparei do segredo primário da vida. Eu não conto tudo – há coisas que eu
não conto nem a Deus. Não se esqueças de que também eu preciso da vida diária.
Escuta-me e não te assustes: lembra-te que eu comi do fruto proibido e, no
entanto, não fui fulminado pela orgia de ser.
Dá-me de novo a
tua mão, não sei ainda como me consolar da verdade. Mas a verdade não pode ser
má. Ah, mão que me segura, se eu não tivesse precisado tanto de ti para formar
minha vida, eu já haveria vivido.
Agora preciso de
tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei
que acreditar em tudo isso será, no começo, a tua grande solidão. Mas chegará o
instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por
amor. Como eu, não terás medo de agregar-te à extrema doçura enérgica do Deus.
E Deus é a solidão de ser apenas humano.
E eis que a mão
que eu segurava me abandonou. Não, eu é que larguei a mão porque tenho que ir
sozinho. Se eu conseguir voltar do reino da vida tornarei a pegar a tua mão, e
a beijarei grato porque ela me esperou; e esperou que eu voltasse magro,
faminto, humilde e cansado. Para viver, solto, afinal, esta tua mão.
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