sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Dias a Menos

 
 
 
 
Um dia você acorda e encontra-se consigo. Você sente dor nas costas, dor no pescoço, os olhos ardendo, dificuldades para se lembrar das coisas, dificuldades para se levantar. Você sente dificuldades para acordar, mesmo depois de ter dificuldades para dormir. Você sente dificuldades para emagrecer e para engordar, dificuldades em chegar de um ponto ao outro, perde o ponto, perde o tempo, ganha ruga
s.

Você acorda e percebe que todos os seus dias são dias a menos, e percebe que nada se pode fazer quanto a isso.
Os dias passam, você respira fumaça, queima a pele do seu rosto, passa protetor, nada resolve. Acende um cigarro, se pergunta até que idade irá viver, bebe água contaminada, come qualquer porcaria no almoço. Você nem janta e permanece.
Pensa em se mudar para o interior, em parar de fumar, em comprar roupas novas, em mudar o estilo, em parar com tudo, em cortar os cabelos, em não fazer nada. Você pensa em matar alguém. Desiste. Sorri e chora. Acende um cigarro. Depois acaba.

Nesse dia, você acorda e percebe que você está cansado.Cansado dos carros, das luzes, dos ônibus lotados, dos ônibus vazios. Você se cansa da cidade, do lixo, dos mendigos, do barulho, das pessoas, mas não de todas. Se cansa de não ter para onde ir, nem saber para onde ir, se cansa de precisar ir para algum lugar. De não estar certo, de não ter alternativas, de viver uma vida igual a de todos, de
não ter caminhos, de fazer parte de um rebanho sem pastor. 
Se cansa dos professores, dos chefes, dos deuses, da moda, do dinheiro, da pobreza, dos impostos, do café. Se cansa da impressão de estar desperdiçando tempo, e de não haver mais tempo para desperdiçar. Você se cansa das insinuações, das preocupações.
Cansa de estar num mundo onde quem nunca está desesperado, está louco; e você se desespera por medo de enlouquecer. Respira fundo e acende outro cigarro. E bebe mais e mais café. E não dorme direito, e ouve as pessoas andando pelas casas e pelos corredores, e pelas estradas. 
Então você se cansa de não saber o porque de tanto cansaço. Você se cansa de coisas que são como são desde muito antes de você haver nascido. E cansa de ruas, praças, avenidas, alamedas, túneis, do sol, da lua, das nuvens, das buzinas, das placas de sinalização, dos semáforos. 
Você se cansa da inveja dos outros, se cansa do excesso disso e daquilo, se cansa das pessoas querendo estragar sua felicidade. Se cansa do rabo entre as pernas, da sensação de estar sendo prejudicado, se cansa da comiseração, de que “a vida tem dessas coisas”, e se cansa de falar isso para si mesmo. Você se cansa de esperar, de aguardar, de ter esperanças, de não ter alegrias, se cansa da loucura que sente, de rezar, cansa do frio na barriga, cansa da falta de sono, do excesso de insônia. 
Você acorda cansado da falsidade, da ameaça, da apatia, da hipocrisia, da angustia que você sente e nem sabe por que, do frenezi, de buscar incessantemente por algo que você nem sabe o que é. Da sensação de não parar nunca.
E da sensação de estar morrendo, devagar, até o dia em que você acorda e percebe que nem sequer estivera dormindo.

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