Sim, eu sei que é muita prepotência de minha parte fazer um “guia de
leitura” para os livros de Clarice. Mas já me explico, não me atirem pedras! Muitas
pessoas sabem que eu admiro muito a pessoa
de Clarice – a mulher – e a persona
de Clarice – a escritora. E por saberem disso, pessoas me perguntam sempre: “como
ler Clarice?”, “por qual livro começar?”, “por qual livro você começou?”, “você
pode me indicar um livro de Clarice?”, dentre tantas outras perguntas que me
fazem e sugestões que me pedem. Pois bem, este post vai especialmente para você
que quer dar seus primeiros passos pela literatura clariciana, servirá como
guia, um farol para te orientar na escuridão que ronda esta escritora tão
incompreendida. Tenho mais um aviso:
apesar de toda a fama que recebe nos últimos tempos, Clarice viveu
estigmatizada, sozinha dentro da literatura nacional, sem pares, sendo
considerada hermética e alienada. Por algum motivo as pessoas hoje em dia andam
citando qualquer frase escrita por adolescentes na TPM (o que me revolta muito,
como você deve ter percebido) e atribuem a autoria das ditas frases a Clarice. Mistérios
da meia-noite, como diria Zé Ramalho. Desculpem a pretensão, mas faço isso no
intuito de ajudá-los (as) a compreender melhor Clarice durante seus primeiros
passos. Mas, vamos lá então...
Existem quatro maneiras diferentes de começar a ler Clarice: pelos
romances, pelos contos, pelas crônicas ou por textos avulsos (como as cartas
e/ou textos infantis). Como sei que a maioria dos futuros leitores deixará a
ultima maneira para o fim (veja só que coincidência!) nem vou citar as obras da
Clarice encaixados nesta categoria – “textos avulsos”.
A maneira mais indicada de começar a lê-la é pelas crônicas, para
tanto, a aquisição do volume gigantesco de “A Descoberta do Mundo” vai saciar a
fome dos primeiros dias de leitura. Trata-se de uma compilação com as várias
crônicas publicadas por Clarice ao longo de seis anos no Jornal do Brasil, aqui
grande parte das crônicas da escritora podem ser encontradas. Outros livros de
crônicas são: “Para não Esquecer” – que traz crônicas que podem ser encontradas
em ‘A Descoberta...’ –, “Correio Feminino” e “Só Para Mulheres” – estes dois
apenas com textos que Clarice escrevia para periódicos sob pseudônimos, os
textos são, em sua maioria, dicas de beleza, de moda, conselhos, receitas e
afins.
Dados os primeiros passos com as crônicas, chega a hora de partir para
os contos – ponto forte da literatura de Clarice. O livro de contos mais
indicado para dar o pontapé inicial em uma Lispector contista é o volume “Felicidade
Clandestina” que traz tanto crônicas publicadas em jornais quanto contos até
então inéditos. Depois de ‘Felicidade...’, é bom embarcar nas páginas de “A
Legião Estrangeira” que traz, assim como o livro anterior, contos e crônicas;
tudo isso é uma preparação para pisar no terreno da escritora. Ainda numa
leitura mais leve, aconselho que o leitor iniciante leia o pequeno volume de
contos eróticos (SIM, CONTOS ERÓTICOS, mas não muito) “ A Via Crucis do Corpo,
onde encontramos algumas histórias que fogem um pouco da temática trabalhada
nos demais livros, mas já serve para alguma coisa durante sua leitura. Se você
quer continuar com sua lida pela Clarice contista, adquira uma edição de “Laços
de Família”, um dos livros que trouxe grande público para a escritora à época
de seu lançamento; aqui a veia estilística e o fluxo de consciência, marcas
fundamentais em toda literatura clariciana, estão muito presentes. Passado o
primeiro contato realmente extremo com Clarice, leia “Onde Estivestes de Noite”,
mas leia com cuidado! Este livro é perigoso, e pode te dar um nó na cabeça de
uma maneira praticamente irreversível! (mentira, não é pra tanto). Falando
sério: é bom ir com cuidado com este livro, pois aqui não há a Clarice de
Facebook toda romântica, aqui encontramos uma mulher madura, com trabalhos
reconhecidíssimos e no auge do “hermetismo” pelo qual ficou conhecida.
E finalmente chegamos ao ápice da leitura! Se você achou a leitura de ‘Onde
Estivestes...’ e ‘Laços de Família’ complicada, aconselho que volte por alguns
tempos para as crônicas antes de seguir para os romances. Mas, porém, todavia,
contudo, se você quiser ir direto ao ponto, vamos lá! Não me entendam mal, mas
indico o romance que menos gosto de Clarice para ser o primeiro. Neste romance
você pode encontrar em alguns pontos a Clarice internauta, o que pode favorecer
a sua leitura, eis o livro: “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, que
conta a história de amor entre dois professores – Ulisses e Lóri. Para os padrões
que eu estava acostumado com Clarice, achei este livro ‘razoável’ (o que salva são
alguns pontos chaves da narrativa, mas isso fica para outro texto). Se você se
animou em ler Clarice, ótimo, siga em frente e prepare-se para algumas lágrimas
(se você for uma pessoa sentimental) ao ler “A Hora da Estrela”, livro que
virou filme e show (Maria Bethânia se baseou neste livro para montar um show
alguns anos depois da morte de Clarice). Conta a história de um escritor que
cria uma personagem e lida com o fato de que tem que dar um destino à ela. E este
é um dos meus livros favoritos de Clarice! Vale mesmo, muito a pena.
Mas, seguindo...
Agora a coisa começa a ficar mais complicada e o “hermetismo” de
Clarice começa a ficar mais latente. Enfim, minha próxima indicação é “Água
Viva”, um romance experimental onde uma pintora resolve escrever para um leitor
indeterminado. Não há mais nada a se dizer, tudo o mais estragaria a leitura. Depois
disso não há escapatória, vamos ao primeiro livro de Clarice: “Perto do Coração
Selvagem”, que conta a história da impulsiva Joana (não vou falar mais nada,
afinal, tem resenha aqui no blog e tem vídeo no youtube). Está cada vez mais
difícil se decidir entre as obras, mas minha próxima indicação é “A Maçã no
Escuro”. Aqui você pode criar um certo rancor de Clarice, mas prossiga na
leitura, vale a pena: o início do romance parece muito com uma história
policial, com Martim fugindo da polícia por ter assassinado a esposa e indo se
refugiar no sítio de duas irmãs. O próximo livro que consta na minha lista de
indicações é “Um Sopro de Vida” que foi escrito no leito de morte de Clarice. Conta
a história de um Autor e de sua personagem, Ângela Pralini. Os dois conversam,
riem, choram, dançam, cantam e sapateiam (mentira, é que não gosto de ficar
comentando muito de uma obra tão complexa quanto esta, mas vai ter resenha em
breve). Depois disso, acho que o leitor já estará preparado para os três livros
mais difíceis e incompreensíveis para muitos críticos e estudiosos da obra de
Clarice Lispector. Na ordem em que devem ser lidos, estão “O Lustre” (a
história da vida de Virgínia, desde a convivência com a família na Granja até
sua vida na Cidade), “A Cidade Sitiada” (a história de Lucrécia Neves que
cresce e progride ao mesmo tempo em que o vilarejo onde mora se expande
tornando-se uma espécie de distrito), e por fim, o mais difícil: A Paixão
Segundo GH. A história de uma arquiteta que, depois de mandar a faxineira
embora e decidir arrumar a casa, encontra uma barata no guarda-roupa e a visão
do inseto causa-lhe uma epifanía.
Enfim, acho que isso é tudo, tentei comentar um pouco de cada livro
sem dar nenhum spoiller. A sorte está lançada, sejam bem-vindos novos leitores.
Procurem seguir mais ou menos a ordem que eu deixei registrada, acreditem,
vocês vão precisar J
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