O solitário é um ser que se basta. Que não se importa com o silêncio,
o escuro, é prático, costuma não expor intimidades e vontades. Portanto, nunca
saberemos se ele não se importa de estar sempre só, e nem saberemos se é feliz
em ser um solitário. Ser solitário pode ser vantajoso: em vez de uma garrafa,
uma taça; em vez de jantares, comida. Não sabemos em quem vota, quem apoia, nem
se conhece o desagravo. Sabemos que viaja sozinho, mas não temos certeza, já
que não há registros em álbuns ou redes sociais. O solitário não vai à Paris ou
Nova York, prefere Lituânia, Hong Kong, Croácia, Ucrânia. Se o seu desejo é não
se comunicar, busca lugares e idiomas desconhecidos.
Às manhãs o solitário encosta-se ao balcão da padaria e pede um café
com pão na chapa. Só. E diz bom-dia ao balconista que o atende há vários anos. Sorri
rapidamente e se concentra no jornal – que compra na banca: o solitário não
assina jornais ou revistas, compra as publicações na banca. Na padaria ninguém
sabe onde mora, muito menos seu nome. Apesar de, todas as manhãs, há anos, o
solitário encostar no mesmo canto do balcão. Não sabem para que time torce; na
verdade, acreditam que ele sequer goste de futebol, porque nem repara na TV
ligada no canal esportivo que absorve a atenção dos outros fregueses.
Faz compras aos poucos para, paradoxalmente, não se sentir só. Compra um
litro de leite por vez, um bife por noite. Não tem dispensa, não faz estoques:
ciente de sua solidão, o solitário gosta de circular. Um solitário jamais faz
compras pela internet e nem joga jogos que aqueles que não são solitários
jogam. E nunca entra em salas de bate-papo, porque ele não é carente, apenas
solitário.
O solitário vai para o trabalho de metrô. De táxi, teria de conversar
com o motorista; de ônibus, teria de conversar com o cobrador. Por isso ele
fica em pé, no canto do vagão, para não ter que se sentar com alguém que possa
puxar um assunto. Um solitário não sabe conversar espontaneamente. Suas frases
têm um único intuito: tornar o mais breve possível o diálogo, já que o
solitário não é de muita conversa. Antes
de um encontro ele planeja o que dizer, as frases a serem usadas, as opiniões a
serem emitidas e omitidas. Pensa bem antes de concordar ou não com a política. Escolhe
opiniões que não polemizam; o solitário se esconde atrás da dualidade das
palavras. “Pois é, incrível o que estão fazendo com a política nacional” – e ninguém
sabe se está elogiando ou criticando.
O solitário é invisível: não o conhecem no prédio, nem na vizinhança,
nem na firma onde trabalha. “Nunca vi esse cara por aqui antes” é assim que se
referem ao solitário em todos os lugares.
Chega ao trabalho e vai direto ao seu escritório de paredes limpas e
brancas. O escritório do solitário não tem cores vivas, não há fotos de
parentes ou amigos, nem recados ou cartas, apenas seu computador, sua mesa, sua
cadeira. É uma sala limpa, como se ninguém trabalhasse nela. A maioria das
pessoas da firma acredita que o solitário seja gay. Um gay que nunca saiu do
armário, porque nunca o viram com nenhuma mulher. Nem mesmo com a secretária
nova, gostosa, com um decote farto, que ficou a fim dele, deu em cima,
provocou, mas ele – nada. Portanto é gay, conclui-se. Mas também nunca o viram
com ninguém, nem com homens. E gays costumam ser sociáveis e festivos. O solitário,
não, é simplesmente um homem sozinho. Não gosta de homens e nem de mulheres, é
assexuado. É bissexual. Não gosta de se relacionar.
O solitário é muito eficiente no trabalho. Almoça sozinho em
restaurantes. E nem abre um livro para disfarçar a solidão. Não vai à
lanchonetes – refúgio dos solitários. Almoça sozinho, olhando para o vazio. Não
se preocupa em esconder que é, sim senhor, um solitário.
Vai ao cinema sozinho, compra uma Coca e uma pipoca de tamanho gigante
só para si. Se alguém se senta ao seu lado, ele fica constrangido, controla-se
por alguns minutos, até não aguentar e, numa explosão de sentimentos confusos,
se levantar e mudar de lugar. Ou simplesmente abandona a sessão antes mesmo do
filme começar.
Todo solitário é magro. Pois não come fora de hora, não bebe muito, não
se entope de petiscos no botequim.
Solitários têm amigos. Mas nunca telefonam para eles. Vão a festas mas
nunca dançam: encostam-se nas paredes e olham os que dançam.
Os carentes precisam trocar e-mails e torpedos com dúzias de amigos,
têm mais de 250 seguidores no Twitter, 500 no Instagram, 1000 amigos no
Facebook. O solitário não, ele simplesmente se deixa ser. É independente. Solitários
podem estar perdidos do mundo, mas nunca se perdem de si mesmos. E é isso o que
realmente importa.
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