quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Anotações Sobre um Ser Solitário

 
 
 

O solitário é um ser que se basta. Que não se importa com o silêncio, o escuro, é prático, costuma não expor intimidades e vontades. Portanto, nunca saberemos se ele não se importa de estar sempre só, e nem saberemos se é feliz em ser um solitário. Ser solitário pode ser vantajoso: em vez de uma garrafa, uma taça; em vez de jantares, comida. Não sabemos em quem vota, quem apoia, nem se conhece o desagravo. Sabemos que viaja sozinho, mas não temos certeza, já que não há registros em álbuns ou redes sociais. O solitário não vai à Paris ou Nova York, prefere Lituânia, Hong Kong, Croácia, Ucrânia. Se o seu desejo é não se comunicar, busca lugares e idiomas desconhecidos.

Às manhãs o solitário encosta-se ao balcão da padaria e pede um café com pão na chapa. Só. E diz bom-dia ao balconista que o atende há vários anos. Sorri rapidamente e se concentra no jornal – que compra na banca: o solitário não assina jornais ou revistas, compra as publicações na banca. Na padaria ninguém sabe onde mora, muito menos seu nome. Apesar de, todas as manhãs, há anos, o solitário encostar no mesmo canto do balcão. Não sabem para que time torce; na verdade, acreditam que ele sequer goste de futebol, porque nem repara na TV ligada no canal esportivo que absorve a atenção dos outros fregueses.

Faz compras aos poucos para, paradoxalmente, não se sentir só. Compra um litro de leite por vez, um bife por noite. Não tem dispensa, não faz estoques: ciente de sua solidão, o solitário gosta de circular. Um solitário jamais faz compras pela internet e nem joga jogos que aqueles que não são solitários jogam. E nunca entra em salas de bate-papo, porque ele não é carente, apenas solitário.

O solitário vai para o trabalho de metrô. De táxi, teria de conversar com o motorista; de ônibus, teria de conversar com o cobrador. Por isso ele fica em pé, no canto do vagão, para não ter que se sentar com alguém que possa puxar um assunto. Um solitário não sabe conversar espontaneamente. Suas frases têm um único intuito: tornar o mais breve possível o diálogo, já que o solitário não é de muita conversa.  Antes de um encontro ele planeja o que dizer, as frases a serem usadas, as opiniões a serem emitidas e omitidas. Pensa bem antes de concordar ou não com a política. Escolhe opiniões que não polemizam; o solitário se esconde atrás da dualidade das palavras. “Pois é, incrível o que estão fazendo com a política nacional” – e ninguém sabe se está elogiando ou criticando.

O solitário é invisível: não o conhecem no prédio, nem na vizinhança, nem na firma onde trabalha. “Nunca vi esse cara por aqui antes” é assim que se referem ao solitário em todos os lugares.

Chega ao trabalho e vai direto ao seu escritório de paredes limpas e brancas. O escritório do solitário não tem cores vivas, não há fotos de parentes ou amigos, nem recados ou cartas, apenas seu computador, sua mesa, sua cadeira. É uma sala limpa, como se ninguém trabalhasse nela. A maioria das pessoas da firma acredita que o solitário seja gay. Um gay que nunca saiu do armário, porque nunca o viram com nenhuma mulher. Nem mesmo com a secretária nova, gostosa, com um decote farto, que ficou a fim dele, deu em cima, provocou, mas ele – nada. Portanto é gay, conclui-se. Mas também nunca o viram com ninguém, nem com homens. E gays costumam ser sociáveis e festivos. O solitário, não, é simplesmente um homem sozinho. Não gosta de homens e nem de mulheres, é assexuado. É bissexual. Não gosta de se relacionar.

O solitário é muito eficiente no trabalho. Almoça sozinho em restaurantes. E nem abre um livro para disfarçar a solidão. Não vai à lanchonetes – refúgio dos solitários. Almoça sozinho, olhando para o vazio. Não se preocupa em esconder que é, sim senhor, um solitário.

Vai ao cinema sozinho, compra uma Coca e uma pipoca de tamanho gigante só para si. Se alguém se senta ao seu lado, ele fica constrangido, controla-se por alguns minutos, até não aguentar e, numa explosão de sentimentos confusos, se levantar e mudar de lugar. Ou simplesmente abandona a sessão antes mesmo do filme começar.

Todo solitário é magro. Pois não come fora de hora, não bebe muito, não se entope de petiscos no botequim.

Solitários têm amigos. Mas nunca telefonam para eles. Vão a festas mas nunca dançam: encostam-se nas paredes e olham os que dançam.

Os carentes precisam trocar e-mails e torpedos com dúzias de amigos, têm mais de 250 seguidores no Twitter, 500 no Instagram, 1000 amigos no Facebook. O solitário não, ele simplesmente se deixa ser. É independente. Solitários podem estar perdidos do mundo, mas nunca se perdem de si mesmos. E é isso o que realmente importa.
 

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