segunda-feira, 1 de julho de 2013

#Resenhando: Perto do Coração Selvagem (Clarice Lispector)




1.       O Enredo
O romance vai narrar a vida de Joana desde a infância com o pai viúvo até a vida com Otávio, passando pelo convívio com a tia, o amor proibido por um professor e a estada no internato.
Desde muito nova Joana mostrava indícios de que seria totalmente alheia à vida com as outras pessoas, tendo um bom relacionamento apenas com o pai, que acaba morrendo, e com o professor que substitui a figura paterna.
É uma menina órfã de mãe que vive com o pai. Depois da morte do pai, Joana vai morar com os tios, que acabam ficando chocados com suas atitudes, como por exemplo, o fato de roubar livros, e mandam-na para um internato. Antes de ir ao internato, Joana mantém relações com um professor, que não percebe que a menina nutre por ele uma paixão.
Ao sair do reformatório, Joana conhece Otávio, que se sente atraído por ela ao vê-la alisar uma cadela grávida. O relacionamento com Otávio nunca foi fácil, pois Joana acha-o desprezível e tem pena dele por isso, não conseguindo se aproximar. O relacionamento entre os dois acaba sendo abruptamente interrompido e Joana refugia-se num Homem desconhecido e acaba tendo relações com ele, que acaba deixando-a. Apenas quando alcança a liberdade Joana vê-se totalmente realizada, ao fim do livro.

2.      O Livro
Perto do Coração Selvagem foi o primeiro livro de Clarice Lispector, lançado em 1944 pela editora A Noite, onde a escritora trabalhava à época. Para que houvesse a publicação, Clarice fez o acordo de não pagar e nem receber nada pelo livro. Segundo consta, Clarice escreveu este livro em 09 meses, como numa gestação: de março a novembro de 1942. Por este livro, recebeu diversas críticas positivas e ganhou o prêmio Graça Aranha de melhor livro do ano em 1945.
O fluxo de consciência presente no livro assemelha-se muito ao usado por Virginia Woolf e por James Joyce, o que gerou comentários sobre influências de ambos os autores, comentários esses reforçados pela epígrafe retirada d’O Retrato do Artista Quando Jovem, de Joyce. Além disso, o texto apresenta influências de O Lobo na Estepe (Herman Hess) no que diz respeito à dualidade que existe nas pessoas (Joana representa o lado animal, Lídia representa o lado humano; as duas almas que ardem no corpo de Clarice).

Durante todo o texto o narrador passa da terceira para a primeira pessoa, o que faz com que se ligue a personagem Joana à própria Clarice; tanto que, quando se separou, Maury, marido de Clarice, mandou uma carta onde destaca pontos semelhantes entre a escritora e sua primeira personagem.
 
3.      Semelhanças entre obras e autora
Ao longo do texto, notam-se muitas semelhanças entre a vida da personagem Joana e da própria Clarice, como por exemplo: as mesmas circunstâncias familiares, obstinação e resistência às convenções. Além disso, várias passagens do texto, principalmente na primeira parte do livro, assemelham-se à contos sobre a infância da própria Clarice.
 
Pode-se destacar também o modo como Clarice zomba do casamento tanto em um momento deste texto quanto em outros contos desta mesma época como, por exemplo, A Fuga e Obsessão. Outro exemplo de comparação que se faz com textos dessa época é o fato de que o marido de Joana, Otávio, tenta escrever um livro, assim como um personagem de seu primeiro conto ‘O Triunfo’.
Outro aspecto que seria recorrente é o atropelamento: Joana atropela a boneca, Virgínia (O Lustre) é atropelada e Macabéa (A Hora da Estrela) também.
4.       Estruturação do Romance
O livro é dividido em duas partes: a primeira parte traz capítulos alternados sobre a vida adulta e a infância de Joana (está ora no passado, ora no futuro), essas alternâncias ajudam no fluxo de consciência, assim como a fragmentação que permeia todo o livro. A segunda parte se inicia com o casamento de Joana com Otávio e trata da vida de ambos até o momento do desfecho do livro. Aqui a presença da alternância entre infância e vida adulta é substituída por momentos de solidão e momentos de distanciamento do outro.
Esta quebra na linearidade do texto acontece devido a esta fragmentação de ideias que é o modo como Clarice sempre escreveria.
5.      Personagens
A narrativa têm, basicamente, 10 personagens: Joana, Otávio, Lídia, o Pai, a Tia, o Tio, o Professor, a Mulher do Professor, o Homem e a Mulher da Voz.
Lídia: se parece com Ana do conto Amor (Laços de Família). Serve como contraponto de Joana na história, idealizando o casamento como a realização de um sonho; assim como a prima (que é apenas citada no texto) ela é vista como um exemplo da mulher ideal por ser serena, frágil, dependente e adaptada à sociedade. Isso faz com que Otávio sinta-se o “macho dominante” enquanto está com Lídia e sinta-se “castrado” enquanto está com Joana (como todos os demais personagens).
O Professor: é introduzido na história quando a tia compara Joana à uma víbora, representando uma fuga da realidade para a menina, que nutre por ele uma paixão que não é recíproca. Além disso, o professor pode representar o pai ausente e por isso o desejo de Joana por ele é reprimido numa relação edípica, que é ainda mais reforçada pela presença da Mulher do Professor que tolhe a relação entre ambos. O Professor reaparece no fim da história doente e abandonado pela mulher.
O Homem: aparece no fim da história e Joana encontra nele um segundo porto seguro depois de romper relações com Otávio. Tem uma relação claramente sexual com Joana, mas é retirado da história.
Otávio: é o marido de Joana, ex-noivo de Lídia. Sente-se atraído pela liberdade e pela frieza de Joana, mas acaba se cansando da dificuldade em lidar com ela e volta para Lídia. É um advogado que está tentando escrever um livro, mas não consegue, pois acaba sendo interrompido pela presença forte de Joana. Devido à frieza de Joana diante da vida e do casamento chama-a de víbora (como a tia).
Joana: é o ponto central do texto. Ao longo de todo o texto é comparada com animais (víbora, cadela, gata selvagem, pássaro e cavalo). Apresenta-se como substância, como uma pessoa ainda em estado bruto, que deve ser moldada às convenções sociais.  É mais natural e impulsiva do que humana. Joana vive em um mundo além do bem e do mal, ou seja, não é nem boa e nem má – e não se dá conta disso –, seguindo apenas o próprio instinto. Por viver fora dos padrões e não se adequar ao código de comportamento imposto pela sociedade, acaba abalando as pessoas.
Por encontrar em Lídia seu oposto, Joana acaba se fragilizando diante dela (num momento único no livro, quando as duas se encontram para falar sobre Otávio). Um exemplo da disparidade entre as duas é o conceito de casamento: Lídia vê no casamento a perfeição e Joana despreza o casamento.
 
Logo no início do livro, Joana pensa que apenas o mal pode ser gerador de prazer, e que tem a certeza de que dá para o mal. Desde a infância mostra que tem aversão pela bondade das pessoas e diante das demonstrações de carinho da tia vomita. Mostra-se como uma pessoa totalmente amoral (isto é: não sabe o que é moral e o que não é moral; ser amoral é diferente de ser imoral – que é agir contra a moral mesmo sabendo que é errado). Por ser amoral, Joana não tem consciência de seus atos, não tendo, por isso, remorso (citar caso de jogar o livro no velho). Essas características fazem com que Joana observe as pessoas com distanciamento, alheando-se do mundo humano, vivendo “perto do coração selvagem da vida” como anunciaria a epígrafe joyciana.
 

LINK PARA VÍDEO NO YOUTUBE COM A RESENHA DO LIVRO: http://www.youtube.com/watch?v=5F5F106GrEs
 

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