Um livro que pede perdão. Este é
o subtítulo da obra de Jorge Miguel Marinho, fortemente inspirada em Clarice
Lispector (1920-1977); e há, realmente, muito perdão a ser dado a este livro.
O livro conta a história de
Marcos César, um estudante do colegial de, provavelmente, 17 anos que lida com
os problemas que todo jovem nesta idade lida: os estudos, as dúvidas, a
descoberta da sexualidade através do contato com o sexo oposto, as amizades feitas
e desfeitas num piscar de olhos, e todos os problemas que inundam a cabeça de
estudantes hoje e sempre. O dito estudante, Marcos César, é amigo do escritor,
que logo nas primeiras páginas já diz qual será o objetivo do texto: pedir
perdão pelos erros cometidos pelo jovem contra Clarice Lispector. A técnica
utilizada de iniciar a história desta maneira, sem revelar, contudo, em que
consiste o erro a ser perdoado, tem a pura e simples intenção de prender o
leitor desavisado num pseudo-suspense juvenil; a técnica não é nem um pouco
original, visto que, na vasta obra de Clarice, encontramos um exemplo que pode
ilustrar a tentativa do autor: no livro infantil (frise bem esta palavra:
INFANTIL) “A Mulher Que Matou os Peixes”, Clarice inicia a história pedindo
perdão às crianças por ter matado os peixes, e ao longo do livro, conta sua
relação com os animais numa tentativa de redenção. Note que o recurso utilizado por Lispector
num livro infantil é aproveitado pelo autor num livro, claramente destinado ao
público jovem.
Após algumas páginas descrevendo
como foi dado o primeiro contato entre o escritor e o estudante, o narrador já
nos introduz no cotidiano do jovem, mostrando-nos sua vida dentro e fora da
escola, dando uma ênfase especial a uma “paixonite” que acomete o herói da
história: trata-se de uma estudante de nome Clarice que gosta de ler Clarice. A
Clarice (estudante) tem um pequeno círculo de amigos, composto por algumas
meninas – que mal aparecem – e por um amigo aparentemente homossexual, que
gosta de ler Caio Fernando de Abreu e de folhear os livros de Clarice
Lispector. Vale dizer aqui, que o jovem Marcos César também se aventura pelo
mundo dos livros; e ponhamos em adendo o seguinte fato: todos os jovens do
livro, estranhamente, leem, contrariando a realidade atual – mas este é apenas
um mero detalhe que olhos menos atentos vão deixar passar. Talvez este pequeno
detalhe seja o motivo pelo qual estes três jovens estudantes (Marcos César,
Clarice e o amigo) sejam um tanto quanto excluídos – aparentemente – do grupo
social estudantil (ou será apenas impressão?).
Voltando ao livro: por conta do
amor de Clarice por Clarice (sim, é sempre esta a linguagem que o narrador
usa), Marcos César acaba se aproximando da escritora-Clarice para ter mais
intimidade com a leitora-Clarice. E então, da noite para o dia, Marcos passa a
ler Clarice Lispector com o maior afinco já documentado para conquistar uma
garota que, entre parêntesis, só conhece pela voz, já que nunca teve coragem de
olhá-la de frente.
Conforme a história vai passando,
o autor vai lançando frases de Clarice Lispector ao relento, numa compilação
muito parecida à que vemos nos murais de redes sociais diariamente; tudo numa
tentativa desesperada de justificar o título do livro (Lis no Peito – referência
ao nome da escritora “Lispector”: Lis+Pector).
Após algumas páginas preenchidas
com uma história de amor juvenil sem qualquer substância, o leitor descobre o
motivo pelo qual o “livro pede perdão”: o jovem herói – que se torna vilão a
partir de então – começa a mutilar os livros de Clarice Lispector depois que
descobre um segredo sobre a Clarice-Leitora (leia o livro para saber). E eis o
grande pecado do jovem apaixonado. Como era de se esperar, a história tem um
final mais do que previsível. Fim de papo, próximo livro.
Sim, estou sendo muito duro com o
livro – peço perdão por isso aqui, não num livro. O fato é que, como admirador
do trabalho de Clarice, eu esperava muito mais de um livro que tenha ela como
“personagem”. O tombo foi muito grande e doeu muito cair em mim e perceber que
esta leitura deixou a desejar. Mas há qualidades no livro: além de ser uma
homenagem à escritora, “Lis no Peito” foi aparentemente concebido para levar a
hermética Clarice Lispector ao público jovem de uma maneira mais acessível. Há
dicas de quais livros de Clarice são mais indicados para leitores iniciantes e
alguns dados sobre a vida da escritora. Este é um livro que, se não nos dá
muito, ao menos não promete nada: é
uma leitura conceituada nos padrões dos YA’s (Young Adults) da vida. O erro
maior, no caso, foi meu, que idealizei demais o livro. Recomendo-o aos leitores
que querem dar os primeiros passos com Clarice, ou para você que quer
simplesmente passar algum tempo com um entretenimento saudável.
Uma coisa que me chamou muito a
atenção foi que os capítulos têm como títulos frases de Clarice de crônicas,
contos e romances – foi uma das coisas que deu certo neste livro. De início o
livro nos pede perdão, e eu concluo dizendo: eu te perdoo.
LINK PARA O VÍDEO NO YOUTUBE: http://www.youtube.com/watch?v=Hq7DJMRlA9U
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