Voltei à frivolidade esquecida já
há algum tempo para narrar-vos, leitores queridos, um fato que me vem
literalmente tirando o sono: a vontade de comer coisas que eu, decididamente,
não gosto (e nem nunca gostei) de comer. Dois exemplos que me ocorreram ainda
esta semana são: tomate e feijão.
Não gosto nenhum pouco de tomate
e só o cheiro do feijão me deixa com os pelos eriçados. E nesta semana, vi-me
comendo tanto um quanto o outro. Mas o pior não é nem isso: o mais estranho é
que sinto vontade de comer coisas que não gosto no meio da madrugada. Ontem
mesmo, para deixar as coisas mais próximas do momento em que escrevo,
levantei-me às três da madrugada e o primeiro pensamento que tive ao acordar
foi: preciso comer tomates. E por sorte havia tomates em casa – e por mais
sorte ainda não preciso mais fazer piadas sobre o preço do tomate por aqui. E
para deixar a coisa um pouco mais estranha, fui à geladeira na mais completa
escuridão, abri-a, lavei o tomate e ali mesmo, na surdina da madrugada,
perfurei com os dentes a fina película que recobre a polpa do fruto proibido
por meu paladar: senti o caldo escorrendo pelo queixo e pingando no chão
próximo aos meus pés descalços. Sim, comi não um, mas dois tomates crus:
lavei-os e comi com a voracidade que usaria para comer um bife ou algo do
gênero dos alimentos que entraram há muito para o cânone das tentações
gustativas.
Um horror! Não encontro palavras
que descrevam o gosto que tem para mim a minha própria traição: traí-me da
maneira mais vil que existe, e agora eu sei que os peixes morrem pela boca – e
eu também.
O mesmo aconteceu com o prato de
feijão que comi ali, encostado à pia, um feijão frio e com o caldo já seco.
Comi-o para depois voltar ao repouso sereno das cobertas que me levaram
novamente aos braços de Morfeu. Ah Morfeu, por que me abandonaste?
No dia seguinte às minhas
aventuras culinárias noturnas o esperado acontece: meu corpo, que não está
acostumado à natureza torpe tanto dos alimentos quanto da traição que me
autoimpus, sofre as consequências – e eu sofro junto com ele: as náuseas, as
ânsias, o peso incomensurável no estômago; quase uma gravidez psicológica.
Inclusive, minha menstruação não vem há dezoito anos, que é normal, visto que não tenho os
mecanismos necessários para tanto. Oh, Darwin, divago! Mas por um momento
pensei que seria algo engraçado: a gravidez no homem, as náuseas, os desejos
estranhos, a falta de menstruação. Ou quem sabe seja apenas a necessidade de um
organismo que, por não saber como pedir, pede em silêncio, no meio da noite. E
trai-se a si mesmo: e eu, Judas que sou agora, preparo-me para o esplendor de
mais uma noite que se abre, serena e tranquila, para minhas excursões noturnas.
Venha Morfeu, segura minha mão,
carrega-me para as sombras da inconsciência.
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