Quando acreditamos estar numa
sociedade livre de preconceitos, com ações de conscientização para todas as
pessoas, incluindo-se ai as crianças (visto que, como diziam os antigos, e bem
sabiam o que diziam eles naquele começo de mundo, é de pequenino que se torce o
pepino), encontramos a imagem acima num livro didático. Na imagem, a criança
deve ligar as figuras masculina e feminina às atividades com mais afinidades ao
seu gênero. Com ideias como “cuspir no chão” ou “usar brincos”, a figura foi
alvo de protestos de feministas (como este que vos fala) e de pessoas sem
ligação nenhuma ao movimento. Todavia as atividades mais peculiares, que mais
vêm sofrendo asseverações, são frases como “ajudar a limpar a casa” e “lavar a
louça”, obviamente sugestionadas à figura feminina.
Em nota, a Editora Positivo deu
seu parecer em resposta às admoestações que vem sofrendo: “Esclarecemos que em
nenhum momento a finalidade deste exercício é impor padrões ou corroborar com
estereótipos de gênero. A atividade, vale mencionar, é parte de um contexto
onde o objetivo é justamente promover o debate para combater relações
autoritárias e questionar a rigidez dos padrões”.
Em primeiro lugar, antes de
qualquer protesto contra as duas últimas frases citadas, devemos nos lembrar de
que as restantes são tão peculiares quanto estas: estamos mesmo fundando uma
sociedade que mostra que “cuspir no chão” é uma atividade aceitável para
meninos?, ando um pouco ultrapassado neste sentido, mas na minha singela
opinião não é normal que ninguém cuspa no chão, seja esta pessoa menino,
menina, homem, mulher, idoso ou idosa – se você cospe no chão, PARE! E ensinar
as crianças que isso é algo normal já é, per si, algo de gosto meio duvidoso. Outra
frase que é claramente dirigida ao público masculino é a “jogar futebol”; isto
em tempos de Marta (a jogadora brasileira) – só para citar um exemplo – e de
outras tantas mulheres que, finalmente, conquistaram este espaço: o de jogar
futebol. Claramente há pessoas que encaram esta atividade voltada apenas para o
público masculino, e talvez isso aconteça – quem sabe? – porque desde pequenos
a ligação a ser feita é simples: futebol é coisa de homem, não de mulher. Portanto,
se já vivemos numa sociedade tão machista quanto a nossa, não precisamos – vou repetir
NÃO PRECISAMOS – de mais incentivos a isso. Afora o fato de que as frases “usar
cabelo cumprido” ou “usar brincos” são totalmente ultrapassadas numa sociedade
onde a cultura de gêneros começou a cair justamente por estes aspectos: não são
poucos os homens que usam brincos ou cabelos cumpridos; da mesma forma como não
são poucas as mulheres de cabelos curtos.
E agora caímos, inevitavelmente,
nas famigeradas frases que geraram tamanho olor nos últimos dias: “ajudar a
limpar a casa” e “lavar a louça”. Eu vou reescrever a resposta da editora para
desconstruí-la paulatinamente para entrarmos em discussão:
1° “em nenhum momento a
finalidade deste exercício é impor padrões ou corroborar com estereótipos de
gênero” – temos de combinar que a palavra “afinidade” usada no exercício já
mostra que o (ou um dos) objetivo(s) do exercício é sim reforçar os estereótipos
de gênero. Além disso, lembremo-nos que crianças – como a maioria das pessoas –
são facilmente sugestionáveis. Obviamente elas não irão fazer a ligação (o que
é certo e errado de um homem/ uma mulher fazerem) de maneira implícita, todavia
isso é algo que faz parte da formação moral daquela criança enquanto indivíduo;
basta que nos lembremos de que é na infância que agregamos valores que serão
seguidos por toda a vida. Logo, insinuar que lavar a louça é coisa de menina,
já põe em alta o machismo dos alunos, mostrando aos mesmos que, se fizerem esta
atividade, vão ser chamados de “menininhas” – sim, é assim que acontece, e todos
sabem disso.
2° “a atividade é parte de um
contexto onde o objetivo é justamente promover o debate para combater relações
autoritárias e questionar a rigidez dos padrões” – claro que sim, eu gostaria de
saber de quem foi a brilhante ideia de fazer a tentativa de um debate tão
complexo com crianças. Lembremo-nos que estamos num lugar onde o que convém é
deixar as coisas como estão, não pensar diferente, seguir a boiada rumo ao
abatedouro. Seria realmente ótimo se as crianças fossem estimuladas a isso,
todavia há meios mais eficientes e com resultados menos ambíguos do que os
deste exercício. Além do que, para fazer tais debates, seriam precisos professores
que não colocassem seus próprios valores na atividade – o que, muitas vezes,
acontece – e se mostrar imparcial no que diz respeito às próprias vivências,
buscando não transmiti-las aos alunos; agora, nossa sociedade está afundada até
às tampas com o machismo, inclusive há mulheres machistas, que não conseguiriam
debater de maneira racional e clara sobre este assunto com ninguém, ainda mais
com uma criança durante a fase de sua formação pessoal.
Isso tudo nos faz pensar em qual é o lugar da mulher na nossa sociedade. Aparentemente os poucos avanços alcançados por elas durante o último século serão facilmente submergidos num país onde a mulher estar à frente é algo desconfortável. Não: esqueçam a presidência, esqueçam os cargos importantes; infelizmente, no Brasil, o lugar da mulher era, é e, muito provavelmente, continuará sendo a cozinha.
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