segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Sobre a Bondade (As Negociatas)

 
 


É lugar comum entre todos, desde a mais ignorante até a mais culta de todas as pessoas, que a bondade é algo advinda ou que não seria possível fora dos ditames e dos padrões religiosos. Se não for realmente uma opinião unânime (e espero que não seja), estamos bem próximos de que tal pensamento seja tido como verdade universal. Quem por aí é declaradamente ateu ou agnóstico ou simplesmente diz que não tem uma religião definida sabe muito bem do que estou falando: basta dizer “sou ateu/agnóstico” e as mães puxam os filhos de perto do indivíduo, as avós se escandalizam, os tios balançam a cabeça em desaprovação e as mães dos colegas soltam, invariavelmente, uma frase do tipo “ah, eu sabia! É por isso que o meu filho está usando drogas, fica andando com um ateu!”.
Este tipo de pensamento se assemelha muito à ideia que nossos pais e avós (pergunte para os seus) tinham dos comunistas em suas tenras infâncias: ser comunista era ser aliado do satanás, assim como ser ateu atualmente. Só para citar um exemplo, podemos puxar pela memória a célebre frase de José Luiz Datena – “isso (assassinato) é coisa de quem não tem Deus no coração” – e ver como a imagem do ateu está sendo muito mal difundida pelo nosso país (e pelo mundo afora).


Isso ao mesmo tempo me entristece e me assusta, por dois motivos. O primeiro é que pensar assim mostra o tamanho de um preconceito mais do que ridículo em uma sociedade que deveria ser civilizada, mas não é. Esqueçam o ódio aos católicos, evangélicos, testemunhas de Jeová, espíritas, umbandistas, satanistas: em matéria de ódio, não há quem tome o pódio dos ateus, que, quando não são odiados por todos, são odiados pela maioria. O segundo motivo é ainda pior do que o primeiro e já vou dizer por quê. Muitas vezes escuto uma frase parecida com “não é possível ser bom sem ter Deus no coração”. Isso me leva a crer que as pessoas não são boas por serem boas, mas sim por terem medo de um deus que elas deveriam amar como algo bom. Sem ter deus você não pode ter bondade, logo não pode fazer coisas boas, portanto, está condenado ao inferno. Não tem nada de errado com o raciocínio, é como pensar em 2+2: a resposta automática será o 4 – a menos que você não tenha tido acesso a educação de qualidade.

As pessoas não são boas pela bondade, mas por terem medo da ira de deus; da mesma maneira como um cachorro não vai dar a pata sem ter a certeza de que vai ganhar algo em troca: para os cães biscoitos ou afagos, para os fiéis o céu. Que coisa horrível! Como somos vendidos!, presos numa rede que nós mesmos tecemos sem darmo-nos por isso! Me decepciona saber que a única razão para a bondade é agradar a deus. É terrível saber que a bondade foi diluída numa falsa virtude, num falso moralismo disfarçado de caridade. Os atos gratuitos estão sendo submergidos pela fé: trata-se duma jogatina de deus – nós fazemos o que seria bom, não para o próximo, mas para deus. “Faça pelo próximo e Deus lhe dará em dobro”, todos já ouvimos algo do tipo: não estamos sendo bons, estamos sendo vigaristas, tratantes, sem ao menos nos dar por isso. Portanto, a única bondade verdadeiramente válida é a vinda do descrente, que, se ajuda, não é por um paraíso na eternidade, mas por um sorriso de alguns segundos.

E se religião é sinônimo de bondade, e as pessoas não conseguiriam ser boas sem Deus, pergunto-me (e sugiro que você mesmo se pergunte): como é possível que, mesmo havendo um deus e a esperança em um paraíso, o ser humano possa continuar sendo ruim? E se você pratica atos de bondade somente para ficar “de boa” diante de deus, eu tenho um recado para lhe dar: você não é bom; muito pelo contrário, não passa de um medroso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário