“Quando vires um centauro, acredita nos teus olhos”
O cavalo parou. Os cascos sem
ferraduras firmaram-se nas pedras redondas e resvaladiças que cobriam o fundo quase
seco do rio. O homem afastou com as mãos, cautelosamente, os ramos espinhosos
que lhe tapavam a visão para o lado da planície. Amanhecia já. Ao longe, onde
as terras subiam, primeiro em suave encosta, como tinha lembrança se eram ali
iguais à passagem por onde descera muito ao norte, depois abruptamente rasgadas
por um espinhaço basáltico que se erguia em muralha vertical, havia umas casas
àquela distância baixíssimas, rasteiras, e umas luzes que pareciam estrelas.
Sobre a montanha, que barrava todo o horizonte daquele lado, via-se uma linha luminosa,
como se uma pincelada subtil tivesse percorrido os cimos, e, úmida, aos poucos
se derramasse pela vertente. Dali viria o sol. O homem largou os ramos com um
movimento descuidado e arranhou-se: soltou um ronco inarticulado e levou o dedo
à boca para chupar o sangue. O cavalo recuou batendo as patas, varreu com a cauda
as ervas altas que absorviam os restos da umidade ainda conservada na margem do
rio pelo abrigo que os ramos pendentes faziam, cortina àquela hora negra. O rio
estava reduzido ao fio de água que corria na parte mais funda do leito, entre
pedras, de longe em longe aberta em charcos onde sobreviviam e ansiavam peixes.
Havia no ar uma umidade que prenunciava chuva, tempestade, decerto não nesse dia,
mas no outro, ou passados três sóis, ou na próxima lua. Muito lentamente, o céu
aclarava. Era tempo de procurar um esconderijo, para descansar e dormir.